sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Carta ao Toy

Carta ao Toy
Silvia Britto

Toyzinho, meu pequeno grande amor,

Antes de mais nada, gostaria de desculpar-me pela maneira abrupta com que te deixei. Nem consegui despedir-me de você como merece. Mas sei que você me entende. O trem da vida não espera, e eu já estava deveras atrasada para embarcar.
Nosso encontro foi especial desde o primeiro dia. Foi um amor fulminante e retribuído em sua total intensidade. Como você, também tenho uma alma cadela. Mas a minha é vira-lata. Daquelas que se entregam totalmente às aventuras e ao amor, pois sabem que tudo que a vida puder nos dar é lucro. E você conseguiu cheirar isso.
Nos adotamos mutuamente e surgiu uma linda cumplicidade. Vou ser eternamente agradecida pela sua devoção e pela sua companhia, no sofá, quando, solitária, eu tomava uma taça de vinho. Sentirei falta de você, ao meu lado, na cozinha enquanto eu preparava o almoço. Sua proteção, ao rosnar a todos que ousavam de mim aproximar-se, foi um dos presentes mais lindos que a vida poderia me dar. E eu boba, achando que a vida às vezes se esquece de mim... Nunca mais poderei ver um carrinho de supermercado ou uma moto sem lembrar-me de você, sistemático nas suas rabugices gostosas.
Mas agora tenho que deixá-lo, meu amor. Não! Eu não disse abandonar, pois nunca abandonamos quem amamos. Apenas tenho que partir. Infelizmente, além de cadela vira-lata, sou também humana. Nós, humanos, temos um pouco mais de dificuldade para amar. Não conseguimos retribuir o amor tão incondicionalmente como vocês, cães de raça e coração puro. E olhe que eu até tento! Mas chega um momento em que uma coisa chamada amor próprio tem que imperar. Amor próprio é quando temos que gostar de nós mesmos para sermos capazes de amar alguém. As pessoas que não o possuem, ou o tem em excesso, não sabem amar. Por isso agora te deixo. Por amor a mim mesma.
Não deixe de reclamar para que eliminem suas pulgas e carrapatos e insista para que limpem seus olhinhos. Eu sei, meu anjo... Ninguém os limpará com tanto jeitinho e cuidado como eu... Mas a vida segue seu curso.
Se tudo correr como o esperado, você partirá antes de mim e, provavelmente, não mais nos encontraremos por aqui. Mas para onde você for, guarde um lugarzinho ao lado de sua caminha para mim que um dia eu chego. E quando sentir meu cheiro, vá logo deitando com as patinhas para cima, me oferecendo sua barriguinha, como sempre fez. E vamos sair para passear, nesse novo mundo em que as coleiras não existem e o amor é pra valer.
Fique em paz, meu anjo. E eu, ateia que sou, ouso dizer que São Chiquinho cuidará de você, pois ele é o santo da humildade, coisa que só os cães entendem.
Te amo para sempre, meu Toy.

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