quarta-feira, 26 de março de 2014

Um desabafo à #NossaSenhoradoHashtag#


Um desabafo à #NossaSenhoradoHashtag#
Silvia Britto

Você passa nove meses preso a um cordão umbilical e o resto da vida a um cordão carregador de celular...
Fui das últimas pessoas que conheço a ter um celular. Não queria ser incomodada em meus momentos introspectivos ou em que tentava fazer as pazes comigo mesma na beira do mar. Não queria ser questionada na minha lealdade e desprendimento do mundo real. Queria seguir livre como um pássaro, voando sem rumo, brincando de flor em flor. E não interpretem que usava isso como deixa para ser infiel e leviana. Nunca fui assim e nunca serei. Apenas queria continuar tendo meu livre arbítrio para tirar umas horinhas comigo mesma, já que sempre gostei tanto da minha companhia.
Mas aí, minha filha cresceu. E com ela, cresceu também a necessidade de encontrá-la e de estar sempre pronta para ela ao primeiro toque estridente da maquininha nervosa. Depois do primeiro endereço de e-mail, começar a ter Facebooks e Whatsapps é um pulo ribanceira abaixo. E quando se vê, a vida não existe mais sem eles. Mais ou menos como o controle remoto da TV.
Sou muito grata pelas coisas fantásticas que a tecnologia me trouxe, como amigos distantes, pessoas queridas de um passado que nem julgava mais existir. Aliviada e feliz pela  facilidade de fazer um pagamento bancário mesmo que o mundo esteja se acabando em águas do lado de fora da porta. Mas assim como as coisas boas que nos proporciona, a internet também nos tira pessoas e momentos preciosos num piscar de olhos. Eu era feliz e não sabia. Agora, a felicidade também passa por um fio de carregador.
Hoje tudo acontece via satélite. Fazemos amor e guerra ao som de um barulho irritante de teclado. Discutimos relações, agredimos, rimos, choramos, xingamos. E a vida, que antes parecia tão lenta, ganha a velocidade e a proporção que a imaginação doente de cada um de nós tem de interpretar e analisar fatos sem aquele olho no olho, aquele quê a mais no canto da boca, que valem mais do que mil palavras escritas.
Não estou diminuindo a arte de escrever, longe disso! Amo escrever! Mas tenho plena consciência de que, se para bom entendedor meia palavra basta, para um bom "complicador" até uma vírgula é um prato cheio.
Acho que cheguei àquele ponto crucial do ruim com ela, pior sem ela.
Despeço-me pedindo à #NossaSenhoradoHashtag# que me guie e ilumine através desses caminhos virtuais para que eu me ache mais do que me perca por essa estrada de telas sensíveis ao toque e grupos de relacionamentos à distância.
#Amém#

segunda-feira, 17 de março de 2014

Bom voo, parapa!


Bom voo, parapa!
Silvia Britto

Voar, desde sempre, tem sido um sonho incansável dos homens. Voar com asas, com motores, com a imaginação. Confesso que sempre voei. Sempre dei asas à minha imaginação e a minha coragem de pular de cabeça em situações, a tantos questionáveis na sua intensidade, já foi taxada até de leviana. Mas era um voo cego, com asas tortas e sem rumo ou prumo. Confesso que não estava preparada para a inundação de paz e beleza que um voo real proporcinar-me-ia.
Tenho vivido um turbilhão de emoções que já julgava mortas ou arquivadas dentro do baú de riquezas que trago comigo. Muitos gritos, muito choro, muitos gozos, muitas lágrimas, hematomas e sorrisos. Confesso ter pensado em desistir e recolher-me ao meu reles papel de mulher de meia idade. Mas falhei em tentar resguardar-me de mim mesma e da minha insanidade espiritual, ainda bem.
Vinha dando voos rasos e cegos em busca da tal felicidade, mesmo sabendo que ela não é palpável e muito menos permanente. Sou campeã em "esborrachamentos agudos". Mas hoje percebo que nada disso foi em vão. Tudo que vivi, tudo que chorei, não passava de treinamento para conseguir segurar com força as oportunidades que a vida ainda me traria de ser feliz e para conseguir compreender e reconhecer o sentimento que me invadiria  e tirar-me-ia, de vez, os pés do chão.
Nunca poderia negar que já fui muito feliz nesta vida. Apaixonei-me menina, cresci e amadureci um amor que gerou um fruto lindo em meu ventre. Julgava-me a mais feliz das mulheres naquele amor jovem e petulante. Mas acabou. E com esse fim, também me veio a sensação de que já havia esgotado minha cota de felicidade na vida. Tentei aquietar-me mas a alma não pode ser domada.
Um dia já fui chamada de "a mais bela Fernão Capelo Gaivota" de toda uma vida. Fernão Capelo era uma gaivota que não contentava-se em apenas sobreviver. Queria voar alto, dar mergulhos vertiginosos e desviar a rota bem junto ao solo, apenas para subir de novo e fazer tudo mais uma vez. Enquanto as outras gaivotas enchiam o bucho, com peixes de fácil alcance, Fernão enchia a alma de vida.
Algo também me dizia que eu só seria feliz se deixasse a vida de voos rasos para ter uma nova e vertiginosa visão da vida, se tivesse peito para alçar voos muito além do que minha mente poderia alcançar. Fui além do meu limite. Felizmente, a vida me ama, disso agora tenho certeza. Encontrei um outro pássaro, prateado, tão doido quanto eu, que me pegou pela mão e me deu o céu, as flores e as ondas do mar.
Tenho certeza de que eu jamais seria feliz tendo amado apenas uma vez. E foi agora, na maturidade da minha meia idade, que redescobri o amor na sua mais pura essência. O amor que é porque é. O amor que não precisaria acontecer mas acontece, simplesmente porque sempre o procurei e o via constantemente em meus sonhos.
E assim segue a vida. Sou mais uma vez uma recém-nascida, uma mulher menina, uma algoz prisioneira, uma louca desvairada que redescobriu-se amante e amada.
Deixei-me envolver nas asas do lindo pássaro prateado que me levou para cima do penhasco e de lá me joguei sem sentir um pingo de medo, pois sabia que ele estaria pronto, esperando-me em terra firme, só para me pegar no colo e nunca mais deixar que eu parasse de voar. Ando no chão firmemente ao seu lado, mas com a certeza de que, no momento em que quisermos, sairemos voando até o fim da estrada... E mais um pouco, além da última curva.
Por isso, ao correr pela rampa em direção ao céu azul, olhei para trás e gritei:

- Eu te amo, Ronaldo! Bom voo, parapa!

E o parapente decolou...

terça-feira, 11 de março de 2014

A hora certa do "Basta!"


A hora certa do "Basta!"
Silvia Britto

Certa feita, tinha lá meus oito aninhos de idade, estava eu, sentada em sala de aula, como sempre prestando muita atenção e caprichando na caligrafia, quando fui acometida de uma enorme vontade de fazer xixi.
Infelizmente, foi naquele momento em que a mesma vontade parece tomar conta de toda a turma, qual bocejo, que basta olhar para dar vontade de fazer o mesmo. Os amiguinhos faziam fila com seus braços levantados esperando a liberação da professora. E eu lá, pacientemente esperando a minha vez, por sinal, uma das últimas a ter levantado o braço, com vergonha de interromper a aula.
Tamanha foi a demanda aquele dia, que a professora já estava enfurecida com tanta evasão à sua tabuada. Quando chegou bem na minha vez, que já estava quase não suportando mais a espera, com as pernas cruzadas, deu a louca na mestra que, possuída, disse:

- BASTA! Daqui não sai mais ninguém!

Obedientemente, recolhi meu braço e começou um dos piores momentos da minha vida.
Devia ainda faltar uma boa hora para o fim da aula e eu ali, lutando para conseguir segurar o xixi. Não consegui. Devagarzinho, fui soltando o líquido quente ali mesmo na carteira. Era um misto de prazer e medo, o que eu sentia.
Quando terminou a aula, veio a imensa vergonha de levantar e todos perceberem a saia azul plissada pingando de xixi, a escorrer-me pelas pernas. Esperei pacientemente todos saírem da sala e levantei-me, colocando a bolsa com o material escolar no bumbum para tentar esconder minha vergonha.
E assim fui, pela rua, percorrendo a boa meia hora que me levaria à segurança do lar, sozinha, como sempre fiz. Ao chegar à minha casa, desabei no choro e contei o acontecido à minha mãe que tentava, em vão, consolar-me.
No dia seguinte, como recusava-me a voltar à escola, mamãe resolveu acompanhar-me, em um dos poucos momentos em que precisou fazê-lo. Fomos diretamente à sala da Diretora, que chamou a professora que, envergonhadamente, desculpou-se pela falta de sensibilidade e liberou-me o pedido para sair de sala quantas vezes eu precisasse.
Tamanho foi o trauma da saia molhada que de quinze em quinze minutos eu pedia para ir ao banheiro. E a mestra, pacientemente, cumpria sua promessa, permitindo-me a saída. Até que, passados alguns dias, a saga grupal começou outra vez. Todos pareciam haver bebido litros de água no recreio e pedir para sair de sala.
Qual não foi a minha surpresa quando, confiantemente, levantei a mão e ouvi:

- BASTA! Daqui não sai mais ninguém! Nem você, Silvia Helena, que isso já está virando doença!

Pois esse foi um dos melhores "bastas" que ganhei na vida, se querem saber. Traumatizada pelo ocorrido, estava entrando numa estrada sem fim de perda do meu autocontrole. Essa foi uma lição que carrego para toda a vida e vira e mexe preciso aplicá-la. Há momentos em que, por haver errado, permito que abusem da minha boa vontade em reparar o erro e permito que me tratem com crueldade, agressividade e até que ironizem meu jeito de ser. E é aí que lembro da minha professorinha lá do bairro da Glória, Rio de Janeiro, e tomo coragem para mandar um alto e sonoro BASTA!