Festa a Dois
Silvia Britto
Quando escrevi a meus amigos falando do meu desejo de virar o ano
sozinha, não havia ainda encontrado uma pessoa muito especial, com quem
pretendo passar esse momento também muito especial. Hoje percebo que,
inconscientemente, preparava o terreno para uma festa a dois. É isso mesmo que
eu quis dizer, A DOIS! Na verdade, essa pessoa já me rondava há anos. Eu,
esnobe e metida, lhe dava de ombros e não queria papo. Só que, mais uma
vez, o verdadeiro amor perdurou. Finalmente, me rendi à sua divina
sedução.
Retornando um pouco pelo túnel do tempo aonde tudo começou, e ao momento em que comecei a sentir a sua presença.
Retornando um pouco pelo túnel do tempo aonde tudo começou, e ao momento em que comecei a sentir a sua presença.
Quando me mudei para o Rio, aos seis aninhos de idade, fui convencida a deixar para trás os meus
tesouros, minhas lindas bonecas, porque não cabiam na bagagem. O
argumento usado era que elas fariam a felicidade das crianças do orfanato da
rua detrás da casa de minha avó. Só que ninguém percebia que, em meu coração,
também eu sentia-me órfã. Mas, vá lá. O argumento era bom. E eu já tinha
desfrutado daquela alegria. Nada mais justo do que outros também pudessem dela
desfrutar. Sempre fui generosa. E havia ainda a promessa de comprarem-me novas
bonecas na tal de Rio de Janeiro. Das modernas, que falavam e faziam xixi de
verdade. Lembro-me de que a que mais me doeu abandonar foi a Suzi-Faz-Pose
vestida de noiva. Como era linda! Acho que foi aí também que deixei na fumaça o
sonho de casar de branco, de véu e de grinalda.
Aí é que entra esse meu paciente admirador.
Já me rondava desde os tempos de criança. Sentia que alguém me assistia
enquanto eu brincava com bonecas de papel e imaginárias, em substituição às que
agora brincavam no orfanato em São Luis. Alguém caminhava ao meu lado,
protegendo-me do mundo, naquelas manhãs escuras de barriga vazia a caminho da escola.
Velava pela minha segurança ao atravessar as ruas sozinha. Orgulhava-se quando
a professora me elogiava pela excelente nota no ditado.
Seguiu pela minha adolescência adentro, sofrendo comigo aquela velha
ladainha do "quem eu quero não me quer". Chorávamos juntos com o LP
dos Carpenters tocando na vitrola. Ofereceu-me flores quando me tornei mulher.
Testemunhou o meu encantamento de encontrar o amor correspondido e com esse,
a descoberta dos prazeres que meu corpo podia me proporcionar. Nunca
me julgou pela maneira despudorada com que eu me entregava. Parecia até
incentivar-me! Isso! Libere-se! Goze! Ficou emocionado ao ver os olhos da minha
filha abrindo-se para o mundo quando esta me foi colocada nos braços pela
primeira vez. Lançava-me olhares profundos e angustiados quando me sentia
mais sozinha do que a última flor da primavera.
E eu ali, firme e forte. Empertigada no alto da minha petulante certeza
de que sozinha eu me bastava. Ô pessoa teimosa! Arrogância dos inseguros.
Fiquei ali soberana na minha concha emocional até que o inesperado aconteceu.
Chegou o fim do mundo. Meu mundo ruiu. De repente eu flutuava num universo
sem chão. Desaprendi a andar e quebrei o sorriso. Fiquei só, sentindo a
vida derretendo através da minha solidão. Só pensava em como seria quando a
primeira tempestade com trovoada acontecesse. Quem iria proteger-me e rir da
minha cara assustada? Ou pelo menos achei estar só.
Mas, como falei no começo, o verdadeiro amor é paciente e insistente e
nunca saiu do meu lado. Até que, finalmente, deixei o encontro acontecer em uma
tarde ensolarada desta primavera chuvosa. Foi muito melhor do que eu
poderia imaginar. Eu disse que havia sido uma boba de nunca ter-lhe dado uma
chance. Ele disse que tudo tinha seu tempo. Eu pedi perdão pelo meu esnobismo.
Ele disse que eu era a esnobe mais charmosa que ele conhecia. Eu senti vergonha
de pedir um abraço. Ele me adivinhou os pensamentos e me deu um dos abraços
mais confortadores que alguém já me deu. Eu agradeci por ele ter tido a paciência
de esperar. Ele disse que nunca poderia desistir de um diamante tão bonito. E
em pouco tempo, graças a minha coragem de abandonar anos de esnobismo
malcriado e à insistência dele em não desistir de mim, lavamos a nossa
roupa suja.
Agora, para terminar o ano e começar uma nova era, resolvi que esta noite será só nossa. Vou compensar, apesar de ele falar que não preciso, todos esses anos de amor não correspondido. Vamos lembrar das pessoas queridas que passaram e que ainda fazem parte da minha vida. Vamos torcer juntos para que o amor que carrego no meu peito torne-se realidade. Não custa nada fazer uma fezinha para que meu novo amor também se descubra já pronto para mim. Aprendi que tudo tem seu tempo. Se não acontecer, é porque não era para ser... Paciência... Para que servem as lágrimas se não para reconfortar e aliviar o coração, não é mesmo?
Vamos ver os fogos estourarem na praia. E vamos brindar com champanhe esse nosso encontro tão comovente.
A garrafa já gela no refrigerador. Comprei um bem chique, francês. A ocasião
merece. Vamos dançar como crianças e andar descalços pela areia da praia de
mãos dadas. Quero sentir a areia com os pés descalços, sentindo a
sensualidade dos grãos entre meus dedos. Quero sentir-me bonita, sensual e
mulher como há muito não me sentia. Fiz as pazes com meu espelho! Consegui
reencontrar meu brilho através das rugas que, agora, até me comovem. Comprei um
vestido novo branco, para que atraia paz. Uma lingerie (para manter o chiquê da
narrativa) vermelha para libertar a minha paixão. Um anel de pedra azul para
que me traga saúde. Brincos dourados; afinal, um pouco de estabilidade
financeira sempre cai bem. E uma máscara para combinar com tudo.
Espere aí!! ... Volta a fita... Máscara?!?! É!! Máscara!! Vamos e
venhamos... Esse lance de máscara é um charme a mais... Pura Silvice! A
princípio pode-se pensar que a máscara nos oculta. Mas na realidade há coisa
que chame mais atenção do que uma mascarada em meio aos caras-expostas? E é
isso que pretendo em 2014. Vou
assumir, de uma vez por todas, os títulos que me foram presenteados há pouco
tempo e que, reconheço, caíram-me como uma luva: minha esquisitice e minha
belezice.
Eu preparei, sem saber, o terreno para essa festa a dois. Portanto, não
passarei o ano sozinha. Seremos dois. Eu e meu grande novo amigo:
DEUS. Não esse Deus empertigado que tudo controla. Esse não é para mim.
Falo desse outro que não vê nada de errado em se perder a noção. Que é um livre
pensador. Que me deu uma estética diferente de vida. Que não me deixa sozinha
nas noites de trovoadas. E que me acalma quando acordo chorando em algumas
manhãs.
Eu e Deus. Deus e eu. O MEU Deus... das Pequenas Coisas. É com grande
satisfação que anuncio e torno público o nosso relacionamento.
Não é boato... É pra valer...Estamos "ficando".
Feliz Ano Novo e que todos possam apreciar a beleza das pequenas coisas
que nos cercam e nos emocionam dia após dia e às quais podemos simplesmente
chamar de VIDA. Feliz 2014!
Amém.