sábado, 20 de dezembro de 2014

Amar demais


Amar demais
Silvia Britto

Já fui acusada, algumas vezes, de ser uma mulher que ama demais. Acusada, pois o amor, neste caso, é considerado uma doença. Sinto desapontar mas discordo veementemente. Amor nunca foi e nunca será doença. Não deve ser confundido com obsessão, essa sim, destruidora vil e egoísta dos sonhos de outrem.
Todos já tivemos, em algum grau, nosso coração machucado, dilacerado. Desse mal, ninguém escapa. Mas isso deve tornar-se um ensinamento, para que possamos entender que o erro não está em doar-se e sim na atitude do outro em não saber, ou não querer, receber amor.
Fico pensando o que passa pela cabeça de algumas pessoas que têm medo de amar. Temos um só mundo pela frente e olhem para ele! Lindo! Ensolarado! Cheio de música, sol e mar! Não há tempo para se deixar de amar! O mundo é lindo mas o tempo é curto e a vida não para! A vida lá fora nos chama e convida a brincar.
Um coração que ama de verdade é igual a um guerreiro sem escudo: sabe que irá machucar-se mas não desiste de lutar. Amar não é para os fracos. Torna-nos seres vulneráveis pois abre nosso peito e deixa que cheguem, lá dentro, pessoas que podem fazer uma imensa bagunça na nossa vida e nos nossos sentimentos. Amar nos deixa exaustos, pois draga todas as nossas energias e causa dor real, física, em nosso coração. Mas quando a dor passa e nos descobrimos amados de volta, a recompensa é a luz de todas as luzes, é o que vai encher nosso corpo de energia para seguirmos felizes o resto da nossa estrada.
Também sou muito acusada de ser chorona. Pois eu digo que há algo de sagrado nas lágrimas. Descobri, há pouco, por exemplo, que um dos orixás mais lindos da Umbanda, Mamãe Oxum, chega sempre chorando, com a emoção à flor da pele. Não concordo que lágrimas são um sinal de fraqueza. São um sinal de poder, de força. Falam muito mais do que mil palavras. São mensagens do que as palavras não podem dizer, tanto para a felicidade quanto para a tristeza.
Também nunca vou tentar esquecer meu grande amor. Seria como tentar lembrar de alguém que eu nunca conheci: impossível! Não quero esquecer o meu anjo de prata.
Amar demais, repito, não é doença, é um dom. Infelizmente, traz consigo reações adversas que traduzem-se em solidão e tristeza por percebermos que muito poucos sabem amar de verdade. E acabamos por ter nossas energias sugadas, somos mal interpretados, manipulados e descartados quando as pessoas percebem que amar não é um jogo e sim um estilo de vida que requer cumplicidade, coragem e verdade. Pé que dá fruta é o que mais leva pedrada, e eu estou muito machucada pelas pedradas que andei levando. Mas meu tronco não vai apodrecer.
Concluindo, digo aos que me acusam que é verdade, amo demais! Ainda bem que tenho esse dom e essa capacidade de deixar pequenas coisas fazerem-me feliz. Que faço do beijo um ato de amor. Que faço do cheiro do meu amor o oxigênio que me faz sonhar. Que faço do gosto da minha paixão um instrumento que me faz  gozar. Sei que meu futuro, provavelmente, é acabar só, mas, felizmente, é assim que eu sei viver.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Da Urca ao Engenho de Dentro (com escala em Deodoro)


Da Urca ao Engenho de Dentro
         (com escala em Deodoro)
Silvia Britto

(Aconteceu há 2 anos)

Tudo começou com um pedido que parecia a coisa mais simples de ser atendido.

Minha mãe ligou me pedindo que fosse com ela ao Norte Shopping e que a ajudasse a comprar um vestido para usar no Natal. Vá lá que fazer compras no shopping na época do Natal não é exatamente o que eu chamo de simples diversão. Mas, prática como sou e imbuída do famoso espírito natalino encontrei logo uma solução. Estava certo. Iríamos às dez horas da manhã, assim que o shopping abrisse. Encontraríamos as lojas vazias.

No dia combinado, saí da minha casa na Urca e em poucos minutos, lá estava eu, britanicamente pontual, na Central do Brasil para pegar o direto para Japeri, coisa que já fiz centenas de vezes. É muito simples. Apenas uma estação da Central até o Engenho de Dentro. Porém, ouvi um aviso vindo de uma dessas vozes indecifráveis de além dos autos-falantes e achei ter entendido que esse trem pegaria uma via paralela e só pararia em Deodoro. Na dúvida, melhor perguntar a algum funcionário. Localizei um, devidamente uniformizado, que deveria saber do que falava. Ele fez umas perguntas, com cara de autoridade, através do seu radinho falante e disse-me, com toda segurança, que não havia problema algum. O trem seguiria seu trajeto normal. Infelizmente, descobri em questão de poucos minutos que informar não é o forte dos funcionários da SuperVia.

O trem seguiu, lotado como sempre, por um trilho cruzado em direção à Deodoro. Parou algumas vezes no meio do caminho à estação por motivos técnicos. Havia uma "composição avariada" à nossa frente e pediam-nos que, por favor, cooperássemos e esperássemos a liberação da via. Onde mais eles achavam que iríamos se resolvêssemos não obedecer? E ali ficamos por longos minutos.

Eu pingava de suor. Havia escolhido o traje errado para aquela empreitada. Normalmente, quando vou pegar o trem para algum lugar, deixo o modelito Garota-Dourada-Zona-Sul em casa e visto o Musa-Comportada-da-Lage. Que fique claríssimo aqui! Não vai aí nenhum preconceito ao subúrbio. Tenho lembranças maravilhosas de churrascos inesquecíveis nos quintais de Nova Iguaçu e Xerém. Sempre regados ao som de Alcione e de rodas de samba improvisadas para lá de profissionais. Esgoelava-me cantando Noel e Cartola com a rapaziada local. Quero apenas ressaltar que, como toda mulher que se preza, tenho um modelito  adequado para cada tipo de acontecimento.

Finalmente chegamos a Deodoro. A estação estava um buxixo só. Era como se alguém houvesse retirado a tampa de um recipiente que continha um bolo infestado de formigas. As formigas foram pegas no flagra enquanto levavam suas vidinhas normais de comedoras de açúcar. E instalou-se a confusão. Era gente indo, vindo, subindo, descendo. Parecíamos um monte de piões desnorteados girando com caras de interrogação. Dali não se vinha nem se ia a lugar algum. Pelo menos, não de trem! Interdição Geral! E num desses rodopios, fui lançada para fora da estação. O cenário não era mais tranquilizador. Tinha que achar meu caminho de volta a algum lugar.

Minha vontade era de rir daquele caos humano do qual eu fazia parte. Mais uma dessas coisas que só acontecem conosco. As setas nas placas apontavam  para direções opostas umas às outras. Ao mesmo tempo, apontavam para lugar nenhum. Pelo menos nenhum que fizesse algum sentido. Comecei a lê-las e tive a sensação de estar num concurso de Garota da Laje 2012. Eu, que só estava acostumada ao circuito Tim Maia "Do Leme ao Pontal", de repente vi desfilando na minha frente faixas de Madureira, Vicente de Carvalho, Pavuna, Marechal Hermes, Bangu, Campo Grande, Realengo, Vila Valqueire, Nilópolis, Anchieta... 

Oops!! Anchieta! Há pouquíssimo tempo descobri ter sido o bairro onde uma pessoa muito querida havia passado sua infância. Imediatamente liguei para ele. Mais para dividir o momento do que para pedir ajuda. Eu já não conseguia parar de rir com aquela situação inusitada. Ele nem deve ter estranhado o meu riso descabido. Já sabe que sou assim mesmo, sem noção. Deparei-me com uma placa onde se lia: Batalhão Logístico. Quá quá quá quá!! Logística?! Onde?? Ô vida irônica... Mas meu interlocutor, prontamente identificou: "Você está na Vila Militar!" Fato! Êba! Não estava mais perdida. Mas e agora? Como sair dali? Logo identifiquei um rapaz com roupa de exército. Ao lado dele, uma placa onde estava escrito: "Exército Brasileiro. Braço forte. Mão amiga". Era ali mesmo que eu iria pedir uma orientação. Antes de desligar o telefone fui ainda sabiamente aconselhada a não rir demais quando falasse com o rapaz. Verdade! Tinha que me controlar. Até mesmo para que não parecesse desacato à autoridade. Vai quê! Compenetrei-me ao máximo para fazer cara de perdida e caminhei ao encontro do rapaz que já prestava atenção em mim há algum tempo e deve ter pensado: "Putz! A louca risonha vem em minha direção!". Consegui fazer com que ele confiasse em mim e me orientasse. O número mágico do ônibus era 689. Agradeci e fui para o ponto.

O ponto estava lotado. Os ônibus não queriam parar, pois já não havia mais como acomodar passageiros. E como o Diabinho dos Contratempos sempre anda de mãos dadas com sua inseparável companheira, a Maré de Azar, começou a me dar uma vontade enorme de fazer xixi. Eu já tentara ignorá-la ainda no trem. Mas ela resolveu não se deixar subjugar. Pronto! Não podia mais rir. Era só o que faltava! E quanto mais eu me contraía, mais eu tinha vontade de rir da comicidade da situação. 

Comecei a recorrer a artifícios psicológicos com a intenção de distrair minha mente. Decidi brincar de ler o destino dos ônibus que passavam. Eis que passa um que ia para Pau da Fome. Onde? Quá quá qu... Segura, segura! Seria perto da Boca do Mato? Quá quá qu... Concentra, concentra! Lembrei-me de uma cantiga de rodas. Subúrbio sempre me inspira a brincar de roda. Havia uma cantiguinha que eu amava de paixão, Teresinha de Jesus. No final, um versinho dizia: "da laranja quero um gomo, do limão quero um pedaço, da morena mais bonita, quero um beijo e um abraço". Então! Eu não era uma morena bonita? Era só pegar a laranja e o limão da cantiga e fazer um suco.
Laranja e limão.Pura vitamina C. "C" de Carioca de Coração. E assim entrei no ônibus. Uma maranhense com alma de carioca seguindo a trilha da carioquice do subúrbio.

Passava pelos templos e dizia amém. 
Madureira: Portela! Amém! 
Padre Miguel: Mocidade Independente! Amém. 
Quintino: Zico! Amém.

E assim segui, respirando e me nutrindo daquela cultura da simplicidade que tanto me encanta. Ela é parte de mim. Infelizmente não tenho mais como frequentar essas bandas. Não tenho passaporte. Não tenho mais quem me convide para ir ao infinito e além de Xerém. Meu limite é o Engenho de Dentro.

De repente, numa curva em que o motorista do ônibus quase me perdeu pela janela aberta, vi aparecer majestoso o templo atual das tardes cariocas de domingo. O Engenhão! Não desmerecendo a Catedral, que é o Maraca, o Engenhão é realmente um espetáculo. Chegara. Estava em casa. Na casa do Fogão, meu time do coração. Desci do ônibus cantando internamente: "Foooogoooo! Foooogoooo! Foooogoooo!" Segui a pé, na verdade quase correndo, o resto do caminho que me levaria à casa da minha mãe sentindo-me a própria garota-carioca-sangue-bom, Imperatriz do Subúrbio! E tentando prender o riso. Falta pouco! Respira!


segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Um nasce pra sofrer enquanto o outro ri

Um nasce pra sofrer enquanto o outro ri
Silvia Britto

Um nasce pra sofrer enquanto o outro ri...
É a pura verdade. Isso não quer dizer que sejamos sempre os que sofrem ou os que riem. Na verdade, todos nascemos para sofrer e para rir. Fazemos um pouco de tudo. Infelizmente, é do ser humano entender-se feliz baseado na infelicidade do outro. Mas, se fôssemos todos felizes, a arte não existiria, lindas canções não seriam criadas, lindas palavras não seriam ditas.
Não há como impedir o sofrimento de pessoas que, muitas vezes, dependem dele para crescer. Amar é ter coragem de ser feliz. É fazer da nossa petulância, o exemplo. Que vivamos sem pena dos que precisam enfrentar suas perdas para evoluir em sua estrada. Que não caiamos em armadilhas de competição e acomodação. Pena é um sentimento mesquinho e pobre, que não faz nada pela autoestima de quem se respeita e se gosta.
Que atire a primeira pedra quem nunca fez um filho, um amigo, um amor chorar. São pancadas que damos involuntariamente, quase num instinto de ajudar a crescer. Pancadas que libertam, pois fazem com que as pessoas aproximem-se mais do que realmente as faz felizes e deixem de ser pequenos seres parasitas da nossa felicidade e da nossa energia vital. Matam-nos quando nos têm como certos, objetos quaisquer em um canto de suas vidas. Sentem falta do que lhes convêm, não do que lhes completa. E isso é pura maldade. Eles não fazem por mal, mas por acomodação. E os culpados por isso somos nós, que nos deixamos usar e manipular, que alimentamos essa doença dependente da alma.
Ninguém é responsável pela felicidade de ninguém! Felicidade só tem valor se conquistada de dentro para fora. Magicamente, a partir do momento que nos libertamos para seguir nosso desejo, contagiamos os que nos cercam e lhes transmitimos um misto de coragem, admiração e agradecimento pela nossa verdade. Libertemo-nos para libertar, com coragem, sem mentiras e com muita vontade de colher os frutos bons que plantamos pelo nosso caminho. Eu mereço, você merece, todos merecemos.