domingo, 27 de julho de 2014

Lilica


Lilica
Silvia Britto

Estou convicta de que a Lilica é um anjo que vive entre nós. Chegou até nós com a suave missão de ensinar-nos as palavras resignação e altruísmo.
É muito amada pela imensa família de tios e primos que temos espalhados pelo Brasil afora e sempre encanta a todos que a conhecem por sua doçura e transparência infantil.Sou totalmente apaixonada por ela e não vejo minha tarefa de ter que cuidar dela como obrigação. Faço com prazer e muito carinho e não há espaço para nenhum outro sentimento que não seja amor na tarefa de cuidá-la.
Mas nem sempre foi assim. Minha irmã mais velha. Seu nome verdadeiro é Liane e é como eu sempre a chamava, numa tentativa de mantê-la afastada de mim. Quando criança, eu tinha os mais variados sentimentos em relação a ela. Enxergava-a, com meus olhos de criança, como uma menina problemática, que roubava toda a atenção da minha mãe e a fazia sofrer. Não raro, escutava minha mãe lamentando-se, dizendo que ela era uma "cruz" que Deus havia destinado para sua vida. Dramática, a minha mãe. Não estou dizendo que ela não amava a Lilica com todas as suas forças! Não! Minha mãe devotou sua vida a ela! Mas reclamava...
Cresci ouvindo aquelas lamúrias e acredito que essa foi uma das principais razões que sempre me afastaram de Deus. Por que seria Ele tão mau a ponto de fazer aquilo com a nossa família? Na escola que frequentávamos juntas, Lilica sempre foi tratada como "diferente". Não descia para o recreio com o resto da turma e ficava da janela, observando a brincadeira. Crianças de cinco anos podem ser muito cruéis e lembro-me das meninas da turma provocando-a do pátio, mostrando a língua com as mãos nas cinturas e debochando da sua "deficiência" de aprendizado. Eu, criança, ainda aprendendo a entender o mundo, sentia-me envergonhada por ela ser minha irmã e engrossava o coro de deboches a ela.
Também foi por sua "culpa" que tive que deixar minha cidade, minha família e meus brinquedos para trás, em São Luis - MA, para vir morar no Rio de Janeiro. Viemos em busca de um tratamento que, mais tarde, mostrou-se ultrapassado e inútil. Lilica cresceu na idade biológica mas manteve a mente de uma criança de 4 ou 5 anos de idade.
Ninguém tem ideia do peso que carreguei por toda a minha vida por causa dessa atitude, literalmente, infantil a que me permiti. Foram alguns anos de análise tentando perdoar-me por aquele comportamento. Por mais que eu não passasse de uma criança, nunca me perdoei. Tento agora expurgar essa culpa, de uma vez por todas, abrindo o meu coração neste texto.
E os anos iam passando, Lilica crescendo, e minha mãe a tornava cada vez mais dependente. Na minha opinião, minha mãe errou muito na maneira com que conduzia a sua "sina". Mas não tenho o direito de julgá-la, pois sei que errava por amor. Ressentia-me também do fato de a mim ser jogada a inteira responsabilidade de continuar carregando o "fardo" depois que minha mãe partisse. Na sua tristeza emocional, mamãe não percebia o peso que sempre colocou na minha vida. Ela buscava minha total resignação e eu a afrontava diretamente, dizendo que aquela árdua tarefa eu não assumiria. E vivíamos as duas, infelizes nessa incerteza. Felizmente, Lilica não se deixava atingir por aquelas emoções pequenas e a tudo assistia com um olhar maduro e muito mais sábio do que nós, ditas "normais".
Até que o destino seguiu seu curso e nossa mãe nos deixou. Nossas atenções, mais do que chorar a perda da minha mãe, canalizaram-se todas para a Lilica. Como ela reagiria sem a sua escudeira de toda uma vida? Mais uma vez ela surpreendeu a todos e encarou a morte com a naturalidade que só os sábios possuem. Com sua simplicidade e doçura, tranquilizou-nos e mostro-nos que caminhos seguir. Finalmente pude juntar-me ao meu irmão e expor toda a angústia que carreguei por toda a minha vida. Felizmente, ele nunca pensou que eu seria a única responsável pela Lilica. Na verdade, também achava que essa responsabilidade cairia sobre ele, que sempre foi mais próximo da família do que eu, com minha rebeldia, permitia-me ser. Pudemos abrir nossos corações e, juntos, chegamos a melhor das soluções, em que dividimos os cuidados da nossa amada Lilica. Foi um alívio tanto para mim, quanto para ele, que vimos nossas preocupações divididas pela metade e, sem o peso do remorso, muito mais fáceis de serem vividas.
Hoje, estou completamente livre de qualquer mágoa ou culpa que possa ter tido ao longo da minha vida com relação a essa questão e cuido da Lilica com muito amor e alegria. Ela é, sem dúvida, um anjo que nos ensinou a sermos mais fortes e a esperarmos a hora certa para lidar com as dificuldades. Ensinou-nos que a preocupação antecipada é coisa de gente imatura, que passa a vida combatendo dragões imaginários que não passam, na verdade, de borboletas libertadoras.
Torno a repetir que sou totalmente apaixonada por ela e que cuidar de um anjo assim, não apenas é uma alegria, como um privilégio!

Lilica, eu te amo!

sábado, 26 de julho de 2014

Que mundo maravilhoso!




Que mundo maravilhoso!
Silvia Britto

Nossa! Como tô chorona hoje! (Novidade, rsrsrsrs)
Tô aqui, debulhando-me em lágrimas com esta mensagem de bom dia enviada pelo meu lindo amigo, Jotinha... Muito emocionada de ter o privilégio de viver neste mundo maravilhoso.
Não consigo imaginar como há pessoas que são cegas  a isso tudo, e que passam a vida tristes, infelizes. Entendo que a vida também é cheia de dificuldades. Não sou imune a elas. Mas em todas as situações, temos que ser capazes de ver alegria e felicidade.
Agradeço muito por ser parte desta maravilha. Também agradeço por ser cercada por um exército de anjos lindos, sempre dispostos a me dar a mão e não deixar que eu nunca desista de buscar a felicidade nas grandes e pequenas coisas da vida.
Se a verdade for que a vida é uma só, que tenhamos a coragem de encará-la de frente e que possamos ser parte fundamental para que o amor e a esperança nunca abandone nossos semelhantes. Se, ao contrário, esta seja apenas uma das muitas vidas de que iremos usufruir, que tenhamos o discernimento de preparar o mundo para que, quando retornemos, ele esteja cada vez mais lindo.
Que nossas angústias sejam parte de um etapa de crescimento.
Que nossas tristezas nos deem a real dimensão do que é a felicidade.
Que nada nos impeça de ter a ousadia de viver o amor.
Que nunca cometamos o pecado de não sermos agradecidos aos que nos querem bem.
Que nossos inimigos cumpram a tarefa linda de nos ensinar a sermos cada vez melhores.
E que nunca desistamos da vida, assim como ela nunca desiste de nós.

Amém.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Escrever para ser


Escrever para ser
Silvia Britto

Há coisas que só saem de nós por escrito. E é por isso que escrevo. Quando vejo a tela em branco, ou a folha de papel, para ser mais romântica, os pensamentos e  emoções afloram-me à ponta dos dedos e pulam para as letras do teclado.
Há coisas que eu já queria dizer há muito, mas não tinha coragem. Outras pegam até a mim mesma de surpresa, por não tê-las ainda tão claras em minha cabeça. Fato é, que não escrevo por vaidade, ou para fazer fofoca de mim mesma. Escrevo por necessidade de tirar certas emoções de dentro de mim, tanto para melhor abraçá-las quanto para rejeitá-las.
Confesso ser um momento egoísta, em que só eu "falo", não dando chance de ser criticada ou confrontada. Mas acho que acabo remediando essa falha quando tenho a coragem de me publicar, tão despudoradamente nas páginas de um blog.
Colocar para fora tudo que se sente, de um só fôlego e sem edição de pensamentos e emoções, é uma maneira de expurgar culpas e vaidades que de nada contribuem para o nosso melhor viver.
Desde muito pequena descobri que essa era uma das melhores armas que tinha a meu dispor para sentir-me "ouvida". Por mais que, no começo, fosse apenas ouvida por mim mesma, era uma forma de legitimar a minha existência.
Meus textos, a princípio, parecem não concatenar-se uns com os outros, tal a diversidade de emoções que coloco para fora de forma anárquica e desorganizada. Sei que pareço ser uma maníaco-depressiva com minhas constantes alterações de humor. Porém, aproveito para esclarecer que não pareço uma bipolar. Eu SOU uma bipolar, como todo e qualquer ser humano que se deixe olhar mais a fundo. Apenas sou um pouco mais louca por ter a coragem de me expor e admitir-me imperfeita.
Já cansei de ser aconselhada por pessoas queridas para que não me exponha assim. Mas é mais forte que eu. Quando vejo, já escrevi e já lancei no espaço da internet, para que qualquer um sinta-se no direito de me julgar, condenar ou absolver.
Mas isso não me preocupa. Até me excita. Precisa-se de muita coragem para andar nua no meio de uma multidão como a que a internet nos dá acesso. E acaba por tornar-se um vício. E, se esse vício pode ser prejudicial apenas a mim mesma, não vou evitá-lo. Gosto-me assim, plena, corajosa, sem censuras e sem falsas modéstias. Acredito, realmente, que me tornei uma pessoa bem melhor depois que ganhei a coragem de me assumir por inteira. E por isso escrevo. E por isso tenho um blog.
E os textos desconexos, se vistos bem de longe, como a imagem de uma tela de cinema, fazem até um bom sentido. Neles, aparece um retrato em cores vivas e vibrantes, de uma mulher que gargalha e chora ao mesmo tempo, uma mulher-menina, irreverente, barulhenta, petulante, bagunceira e impossível. Exatamente as palavras de minha mãe ao descrever-me. Ah! E Botafoguense, é claro!
E gosto do que vejo... Ou melhor, do que escrevo.
Escrevo para ser.

A mentira é uma verdade que não aconteceu


A mentira é uma verdade que não aconteceu
Silvia Britto

Quando pensamos no real significado de verdade e de mentira, tendemos a dar a esta uma conotação negativa e àquela uma conotação positiva. No entanto, esse pensamento tradicional e baseado na definição encontrada nos bons dicionários da nossa língua, deixa a desejar quando tentamos interpretar esses conceitos de uma forma mais profunda e subjetiva. Nossa mente e nossas emoções são anárquicas e tendem a não se aterem a significados formais. 
Por exemplo, ao confortarmos um filho pequeno que acabou de acidentar-se e apresenta um enorme e sangrento machucado, temos a tendência de simplesmente dizer-lhe: "Não foi nada". Como nada, se o que desejamos é o poder de voltar o tempo com a finalidade exclusiva de evitar o acidente que faz chorar nosso pequeno? Nesse momento, nosso desejo é verdadeiro. Queremos realmente que nada tenha acontecido. Ou seja, é uma mentira com força de verdade. 
Expressões como "não foi nada", "vai passar", "você consegue", dentre outras, muitas vezes contradizem a lógica, mas não o coração. Há ainda o que nosso poeta, Cazuza, afirma interessar-lhe: as mentiras sinceras. Ele conseguiu chegar ao âmago dessa batalha tão filosófica que estabeleceu-se entre conceitos aparentemente opostos. Fez-nos ver que mentira e verdade se confundem e se completam quando a questão é emocional. 
Por fim, todos já passamos por momentos em que desejamos tanto que algo seja verdade, que o fato de estarmos diante de uma deslavada mentira é apenas um detalhe insignificante. Verdade mentirosa ou mentira verdadeira? Pouco importa. Nós é que devemos atribuir o verdadeiro sentido  às nossas palavras e às nossas emoções.

domingo, 20 de julho de 2014

Eu amo feiras livres


Eu amo feiras livres
Silvia Britto

Eu amo feiras livres! Procuro ir sempre que possível.
Sempre me dão a sensação de ter aterrizado em um mundo ideal. Obviamente, o capitalismo corre solto, mas não é o dito "selvagem". Temos poder de barganha, de ajustes, de ofertas, de mudar o preço da mercadoria dependendo da hora do dia e do humor do comerciante ante às nossas lamúrias e tiradas bem-humoradas.
Lugar pra lá de democrático, onde há mistura de classe, idade e raça. O desfile de patroas, empregadas, velhos, crianças, homens, mulheres, negros, brancos, mulatos, gordos, magros, ricos e pobres, fazem com que o mundo pareça ser um lugar simples e sem preconceito, como deve ser a vida.
Biologicamente falando, também é um presente ao corpo, que tem todos os seus sentidos aguçados em uma profusão de cores, odores, sabores, barulho e vida! A beleza dos produtos da Mãe Terra é, cuidadosamente, exposta de forma irresistível e artística, como nos mais belos quadros dos museus de Paris..
Barracas de peixes e frutos do mar mostram a diversidade presente em nossos mares. Flores de diversos tons e odores remetem-nos a uma terra de sonhos. Frutas suculentas e apetitosas fazem-nos pensar que o Paraíso é aqui. Isso sem falar no irresistível pastel, acompanhado de um delicioso e gelado caldo de cana, que não pode nunca faltar.
Não bastando a beleza da coisa, também saio com a mente leve depois de tantas risadas, ao escutar as frases espirituosas dos comerciantes, inundando de humor as nossas manhãs. Colecionei algumas dessas e compartilho-as com vocês agora. Afinal, a alegria é para ser compartilhada! Aqui vão:

- Tem promoção e pramocinha também!

- Olha a mandioca do negão!

- Ô, João! Como é teu nome mesmo? ( um comerciante provocando o outro, berros, claro!)

- Você é do sul? Só se for do ÇUARÁ ( Um pergunta pro outro, inconfundivelmente nordestino, aos berros novamente!)

- Moça bonita...queralho, queralho, queralho roxo pra temperar o feijão???

- Leva limão pra passar no rabo... do peixe!

- Essa banana está a preço de banana!


Não são de uma genialidade sem par? Pois é, um espetáculo à parte, ao vivo em cores e gratuito. 
E deixa eu sair que hoje é domingo, dia de feira numa rua aqui pertinho e o espetáculo já começou!

Bom domingo!


sábado, 19 de julho de 2014

Eu amo você


Eu amo você
Silvia Britto

Eu amo você.
Sem cobranças.
Sem exigências.
Sem obrigações.
Sem censuras.
Sem vergonhas.
Por inteiro.
Por defeitos.
Por teus erros.
Por acertos.
Do direito.
Do avesso.
Por confiança.
Por fé.
Por destino.
Por tudo isso.
E nem só por isso.
Do jeitinho que você é.
Simples assim.
Pronto.
Ponto.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

A tarde convida


A tarde convida
Silvia Britto

A tarde convida...
Vou sair por aí. Cigana, sem rumo e sem prumo.
Não levo nada comigo que eu não possa carregar.
Na verdade, as mãos vão livres.
Tudo de que eu preciso para ir, seja aonde for, não ocupa espaço.
Tudo de que preciso cabe no espaço de um sonho.
Não preciso de malas imensas ou sacolas para carregar roupas que não me fazem falta.
Uma pequena valise com lápis, papel e borracha já me bastam para ir escrevendo a minha história.
De roupa, apenas uma saia rodada e uma camisa branca, embora nem isso gostaria de portar.
Prefiro andar pelada. E descalça. E despenteada.
Minhas jóias são apenas as esmeraldas que levo no olhar e o rubi que trago nos lábios.
Sou sereia. Sou cigana. Sou, da vida, eterna viajante.
Odeio o acúmulo de coisas supérfluas, consumismo feroz.
Enganam-se os que acham que encontrarão a felicidade em roupas de marca e sacolas de shopping.
Felicidade não se compra e não pode ser trocada por outro produto de preço semelhante.
Sempre que sou obrigada a ir a um desses templos de consumo, tenho a sensação de que o mundo está acabando, tal a compulsão em carregar sacolas que percebo nos rostos mal identificados das pessoas.
Todos perdem a sua individualidade e suas expressões tornam-se estéreis de vida.
Procuro passar o menor tempo possível nesses cemitérios de zumbis consumistas.
Eu prefiro uma cerveja ao por do sol na mureta da Urca, à beira do mar.
Na verdade, garçom, desce uma bem gelada aí!
Não! Desce duas! E alguns bolinhos de bacalhau!
E seja rápido que o mundo não está dentro de lojas com luzes artificiais.
As luzes do mundo apagam e acendem à nossa revelia, assim como a esperança em nossos corações.
O sol tem pressa de ir encontrar a Lua e eu preciso muito testemunhar esse encontro.
Tomem seus lugares e olhem para o céu...
O espetáculo já vai começar!

A arrogância humana


A arrogância humana
Silvia Britto

Acredita-se que o homem seja o único animal consciente da própria morte, fazendo com que o medo do fim seja um companheiro constante desde o momento em que compreendemos essa verdade absoluta. Com isso, esquecemo-nos de viver o presente.
Obviamente, tudo que gera medo é sempre alvo de exploração da mídia. A imprensa mundial não cansa de explorá-lo, fazendo com que uma coisa mais do que natural torne-se o centro de nossas angústias diárias.
Isso faz com que o homem ganhe uma perspectiva falsa da própria existência. Acha-se  a grande mola propulsora do mundo. Acredita que o mundo só é possível por causa dele e clama que, com o seu desaparecimento da face da terra, tudo findará e o mundo deixará de existir.
Visão arrogante, que faz com que a esmagadora maioria das pessoas projetem suas vidas num futuro perfeito onde, ingenuamente, acreditam que o planejamento fará que com seu tempo na Terra seja o mais proveitoso possível.
O tempo e a vida são efêmeros. A vida pode estar resumida a hoje.  Portanto, nada mais sábio e verdadeiro do que o ensinamento resumido na frase latina: "Carpe diem". Aproveitemos o momento.Vivamos o presente. Para que antecipar a morte?

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Estou apaixonada

Estou apaixonada
Silvia Britto

Sei que este texto pode parecer, a muitos, um poço de pedantismo e falta de modéstia, mas já disse antes que falsa modéstia é algo que não me pertence. Por isso, venho aqui falar de um outro tipo de paixão. Não da paixão linda que se dá quando duas almas encontram-se e explodem dentro uma da outra. Nem da paixão maternal e incondicional que sentimos por um filho. Tampouco, da paixão pela vida, pelas pessoas, animais ou pelo mundo. Venho falar de uma das paixões mais difíceis de serem conquistadas que é a paixão por nós mesmos.
Isso mesmo. Estou falando da paixão por mim mesma! Do imenso prazer que tenho sentido ao acordar e sentir-me capaz de sair para a vida carregando um grande orgulho de ser quem sou. Da satisfação narcísica de deparar-me com a minha imagem no espelho e encontrar uma pessoa madura com olhos de menina e lábios de mulher. Do cabelo que brilha. Do corpo que sabe deixar-se receber e dar muito prazer.
Há muito que não me sentia assim, tão plena. Passei até um bom tempo de mal comigo mesma, evitando encontrar meus olhos no meu reflexo. Talvez por vergonha de ter pensado em desistir da vocação para a felicidade e da alegria que nasceram comigo. Mas consegui recuperar essa imensa empatia que sinto pelo meu jeito de ser.
Amo-me mais ainda, por sentir que esse amor não é forçado. Não estou tentando reproduzir na minha vida o clichê batido de “ame-se primeiro para poder ser capaz de amar a outrem”. É uma admiração tão natural, que não me envergonho de parecer metida ou presunçosa.
Tenho milhares de defeitos, como todo e qualquer ser vivo, mas os amo com a mesma intensidade com que amo minhas qualidades. Sem os defeitos, eu seria apenas uma mulher passando de carona pela vida. Através dos meus defeitos e erros é que eu consigo acertar e fazer o meu caminho.
Despertar e encontrar o amor de verdade, são apenas consequências da minha coragem. Encontrei, de fato, esse amor a que todos buscam e que poucos tem o privilégio de conquistar. É um amor prateado, que me faz querer sempre melhorar e procurar dar o melhor de mim, em qualquer situação.
Mas voltando ao namoro comigo mesma, também estou muito orgulhosa da minha força, perseverança e coragem para nunca desistir das coisas que sei terem me sido destinadas pela vida. Não tenho medo de errar. Não tenho medo de perdoar. Não tenho medo de reescrever a história. Isso faz com que as minhas escolhas, por mais que me levem por caminhos tortos e sofridos, acabem desembocando em terra firme e florida.
Finalizando, que nem eu estou me aguentando com tanta babação própria, quero erguer um brinde a mim, mulher de verdade, destemida e honesta com meus sentimentos e que conseguiu a linda proeza de apaixonar-se por si mesma.

Eu me amo! Viva eu!

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Fim de papo!


Fim de papo!
Silvia Britto

Vamos e convenhamos! A Copa pode ter sido um fiasco para o Brasil, mas foi um grande sucesso para todas as demais seleções! 
Tirando a Itália, que saiu antes da hora, as equipes que ficaram nos brindaram com excelentes jogos, emocionantes e lindos de se ver! Parecia até concurso de Miss, onde todas são lindas e nos deixam a árdua tarefa de escolher qual a mais bonita! No final, venceu a tradição, o tempo de estrada e a experiência!
Infelizmente, o sonho do Hexa em casa foi-se no momento em que a Alemanha “pintou o sete” em nosso quintal. Contudo, se formos frios e analisarmos bem o que se passou, até que fomos longe demais! 
O Brasil estava irreconhecível em campo, sem craques, sem jogadas de grupo, sem conexão entre ataque e defesa... Enfim, essa é apenas a minha visão de amante de futebol sem muito embasamento tático ou técnico para poder expressar melhor a minha opinião. O que nos moveu até a semifinal foi a energia positiva de nosso povo! 
Fato é, que o Brasil só me emocionou na hora do hino, em que chorei, patrioticamente, todas as vezes que o escutei. Em campo, só me deu medo, apreensão e tristeza de ter que compactuar com a frustração das milhares de crianças que ainda não sentiram na pele o que é ser o “rei do futebol”, esporte mais que amado por todos nós, brasileiros. Eu já vi isso acontecer por 3 vezes e é uma sensação maravilhosa. 
Lógico que isso não muda em nada os rumos políticos do país. Eu não acredito nisso! Em 98, perdemos e Fernando Henrique reelegeu-se e. Em  2002, ganhamos e o mesmo Fernando Henrique não conseguiu colocar seu candidato no poder... Qual a lógica então?
Os do contra vão dizer que não foi uma festa para o povo pelo preço exorbitante dos ingressos nos estádios. Mas, ei! Eu também não fui capaz de obter um ingresso! E como eu, quase ninguém que eu conheço, seja pelo preço salgado ou pela indisponibilidade e dificuldade de comprá-los legalmente.
Pois esses pessimistas que me perdoem mas, no final, quem lucrou mesmo foi o povo brasileiro, com suas cidades inundadas por turistas sorridentes e encantadores, num misto de costumes e tradições. O povo que não tem dinheiro para ir ao mundo, teve o mundo vindo até ele.
Também foi um presente aos amantes do bom futebol. Só temos a agradecer aos deuses do gramado pelas belíssimas partidas de futebol sério, moderno e objetivo com que nos brindaram.

Essa será a Copa que deixou saudades, para o bom e para o inexplicável...

Perder de 7 x 1 ! Quem diria, hein, Brasil!?

domingo, 13 de julho de 2014

O anjo da Lua e a sereia do Mar


O anjo da Lua e a sereia do Mar
Silvia Britto

Hoje eu fui acordada por um anjo prateado. Mal dei por mim, escutei sua voz forte e quente sussurrando aos meus ouvidos:

-"Acorda, amor! Bom dia, amor".

Abri os olhos devagarinho e comecei a sonhar. Ele estava ali, lindo e prateado. Com certeza, seduziu a Lua e essa esparramou sobre ele sua poeira de prata.
Estava lindo, sorrindo, feliz por ter em seus braços sua sereia ardente e cheia de paixão pelo despertar inesperado.
Em meu sonho acordada, devagarinho fui me deixando envolver pelo seu cheiro, seu calor e sua sede de me amar. Em poucos segundos, de dois, éramos um. E o mundo explodiu em gozo. E a vida explodiu em amor.
Éramos, mais uma vez, crianças travessas, abusadas, petulantes, a desafiar o espaço que nos separa, entre a Lua e o Mar. Mas somos desobedientes às coisas que nos tirem o prazer de nos termos plenos e insaciáveis. Deixamo-nos ser movidos apenas pela delícia de sermos quem somos quando estamos juntos.
E ali ficamos, a sereia menina e o anjo garboso, jurando amor eterno e tomando café com gosto de hortelã.
Quisera eu que o sonho não acabasse jamais. Quisera eu perder-me no tempo e fazer com que a Lua e o Mar nunca mais tivessem que ceder lugar ao mundo ditador de regras, horários e esperas da realidade.
Mas o Sol surgiu e meu instinto de sereia deixou-se levar pelo desejo de entregar-me ao Mar. Meu anjo pediu então ao Sol que cuidasse de mim e que me emprestasse um pouco do seu calor, fazendo com que a pele morena de sereia ganhasse o tom dourado, que só o Sol sabe emprestar-lhe.
Subi nas asas do anjo, que me levou ao Mar, numa linda e curta viagem, repleta de risos, juras de amor e cumplicidade incondicional. Deixou-me na beira da praia e partiu, prometendo voltar sempre para preencher meus sonhos com sua luz prateada.
E ali eu fiquei, na beira da praia. Fechei os olhos por alguns segundos e, quando os abri novamente, o anjo havia partido. Partiu do meu sonho, mas ficou tatuado em meu coração. Levei-o em meu peito e juntos brincamos com as ondas, corremos na areia úmida e cantarolamos as canções que vinham de algum lugar, trazidas pelo vento.
Da mesma forma com que abri os olhos e comecei a sonhar, agora os fecho para o sonho e tento fazer minha alma dormir sossegada enquanto espero o tempo passar. O sono, como dizia minha avó, é o maior aliado para acelerar as exigências do tempo. E aqui fico a esperar por meu anjo, esperando que a Lua, enfim, mergulhe para sempre no meu Mar.
A sereia, agora, descansa no mar dos meus sonhos, guarda o longo suspiro, sozinha, enquanto cochila no manto do tempo, aguardando o tão esperado momento em que o anjo pousará, interrompendo a sua solidão forçada e lhe dirá:

-"Acorda, amor... Vim te buscar".

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Tomamos no Fuleco

Tomamos no Fuleco
Silvia Britto

Como explicar o que não tem explicação?
Se fosse ao contrário, a explicação seria muito clara: compramos a Copa! Mas do jeito que foi? A quem devemos culpar? Ao pobre do Julio Cesar é que não é! Seria ao Neymar, que permitiu que lhe quebrassem a costela? Ou ao Thiago Silva, que provocou sua expulsão, tirando-lhe o grande sonho da Copa do mundo?
Fato é, que acabamos tomando no Fuleco.
E tomamos logo de sete! Parece conta de mentiroso... Mas quando milhões de brasileiros assistem, perplexos, àquela vergonha em rede mundial, a mentira torna-se a mais amarga das verdades.
A turma do "Não vai ter Copa" deve estar feliz. Afinal, agora não temos nem a taça e nem os hospitais e escolas que eles, ingenuamente, acham que teríamos, caso suas reivindicações nas ruas tivessem dado certo.
Mas eu não estou feliz. E consigo ver a dor e a vergonha nos olhos de cada um dos nossos meninos em campo e crianças nas ruas. Acredito piamente que, quando entravam em campo, nossos guerreiros não pensavam nos milhões que tinham no banco. Transformavam-se em moleques, encantados com uma bola e com a difícil missão de serem campeões em casa, numa era em que o futebol agigantou-se nos pés de cada uma das seleções que aqui estiveram.
Pelo menos uma coisa eu vejo de positivo nessa história... Antes macularmos o Mineirão do que perpetuarmos o fantasma do Maracanã. O Maraca continuará ileso e não vejo a hora de para lá retornar, gritando por uma das  minhas  mais lindas e fortes paixões, o Botafogo!
O sonho do hexa em casa, infelizmente, foi para o Fuleco que nos pariu. Restou apenas uma lembrança amarga do dia de ontem. Dia oito de julho de 2014 entrará para a história do futebol mundial, como "O dia que não teve explicação".
Para terminar, não posso deixar de registrar minha imensa admiração pelo comportamento da seleção alemã. Comemoravam seus gols de forma simples e respeitosa, diante de um dos gigantes do futebol mundial. Isso é atitude de homens, esportistas do mais alto grau. Isso sim! Atitudes como essa é que fazem um povo ter não apenas escolas e hospitais decentes, mas também FUTEBOL. Obrigada pela sua hombridade e respeito!

E agora, Brasil? Rumo ao quê?


segunda-feira, 7 de julho de 2014

A menininha, a estrela e o amor


A menininha, a estrela e o amor
Silvia Britto

Era uma vez uma menininha que nasceu em uma ilha. Nasceu na Ilha do Amor, em um país banhado pelo sol e bonito por natureza.
Sempre gostou de mar e tal era a sensação de paz que esse lhe transmitia que sentia-se em casa ao ser lambida por suas ondas. À primeira vez que deparou-se com sua beleza azul-esverdeada, soube-se sereia.
Gostava do sol mais que da lua, mas encantava-se com as estrelas no breu do horizonte. Achava lindo quando o céu delas iluminava-se, nas noites negras daquelas partes do mundo.
Não era fácil a tal menininha. Sempre franca, um dia chocou a todas as visitas na sala da envergonhada família ao olhar pela janela e deparar-se com o badalar do sino da igreja, anunciando a missa da tarde. Entre perplexa e encantada, gritou na inocência da sua lógica infantil:

-Vejam lá! É a piroquinha do sino!

Um dia, roubaram-lhe da sua amada ilha e a menininha viu-se jogada em um Rio, a princípio triste e solitário, mas ao qual aprendeu a amar e conquistar, sendo por ele adotada. Era um Rio também banhado pelo mar. Um Rio de Janeiro, mas também de fevereiro e março. E assim passaram-se os meses. E assim passaram-se os anos.
Um belo dia, já um pouquinho mais velha, a menininha deparou-se, assistindo à TV, com uma linda estrela, no peito de um jogador de futebol que portava, garboso, um lindo uniforme Alvinegro..Mais uma vez uma estrela encantou-a e deu início a uma forte paixão por aquele time, fazendo com que um Fogo eterno tomasse conta do seu coração.
E o tempo passou. A menininha cresceu, tornou-se mulher, casou, foi para terras estrangeiras, tornou-se mãe, sem desconfiar que, um dia, aquela estrela ainda a faria muito feliz.
O tempo correu, o casamento acabou. A menina-mulher quebrou seu sorriso e perdeu seu chão. Porém, com a força inerente às ciganas do mar, renasceu, resplandeceu e libertou-se de tudo que a impedia de brincar, sorrir e ser feliz. Abriu seu coração, seguindo assim na sua estrada, leve, risonha e despretensiosa.
Numa bela e mágica tarde, esbarrou novamente com a linda estrela solitária. Desta vez, a estrela descia uma rampa, trazida no peito de um homem prateado, com cabelos cor de lua, sorriso lindo de menino e um abraço muito forte, que capturou-lhe, irremediavelmente, a alma.
Naquele abraço, as duas estrelas que vestiam os corações do homem e da, agora, mulher, e que há muito se procuravam, separados por artimanhas do destino, finalmente se encontraram. O mundo parou para ver aquele encontro. O tempo parou naquele abraço. Um beijo se fez roubar e a vida ganhou um sabor de infância, renovada pela paixão. Naquele momento infinito, as duas estrelas solitárias uniram-se batendo em um só coração e as caras-metades transformaram-se em uma "cara inteira".
O homem e sua agora mulher deram-se as mãos e juraram seguir juntos, cúmplices e amantes, de almas dadas pela estrada que resolveram percorrer juntos. E foram felizes para sempre! E mais um ano!

(O que aconteceu a seguir é, definitivamente, muito triste para contar e esta é uma história de felicidade. Reservo-me a licença poética de terminá-la baseada apenas no meu desejo e, assim, eternizá-la como uma linda história de amor. Mesmo não seguindo o caminho do meu sonho, esse encontro é um dos meus maiores tesouros.)

FIM!
(Ou será o início?)

domingo, 6 de julho de 2014

Pra você


Pra você
Silvia Britto

Nunca fui mulher de não saber o que dizer.
...
Mas são tantos sentimentos e emoções novos...
Perco-me nas letras.
Você não chegou;
Sempre esteve em minha vida.
Quando chorava triste, pensando estar só, era seu braço que me acalentava.
O coração apertado, sem aparente motivo, era saudade de você.
Você já habita minha vida há muito tempo, só que em segredo.
Chegou-me como um fogo que sossega a alma.
Entreguei-me sem resistir... Como não fazê-lo?
Você soube chegar para sempre.
Tem a intensidade de um vulcão querendo explodir.
Quer sossegar em meus braços e alimentar-se nos meus seios.
Quer viver através da minha respiração.
Faz com que me sinta  uma gigante pequenininha.
Trata-me com a liberdade de um posseiro ciumento.
E por isso mesmo, não quero que saia.
Não entendeu? Nem eu! Nem quero...
Sinto-me como o pior dos vícios quando me abraça.
Entrego-me a esse abraço desassossegado sentindo-me a mais rara das drogas.
Ou joias... Sei lá...
Apaixono-me novamente a cada beijo, a cada cheiro, a cada frenesi de gozo.
Não quero saber mais aonde isso me levará.
A mim basta o presente, pois sei que no meu amanhã, você estará.
Não preciso mais procurar. Achei. 
Acho que certeza é isso: quando o coração para de buscar.
Minha paixão não precisa mais marcar compromisso.
Exagero?
É... Talvez seja...
Desapegar, destemperar, perder o controle, necessitar, não ter propósito...
Viu quantos verbos novos tive que aprender a conjugar?
Talvez por isso não tenha palavras...
Ou tenho? Nem sei!
Essa mensagem é para você.
Se não entendê-la, é só me chamar que a recitarei no seu ouvido.
Um beijo, vida.

Assinado: seu amor.


quarta-feira, 2 de julho de 2014

Na madrugada

Na madrugada
Silvia Britto

É madrugada.
Acorda banhada em suor na cama vazia.
São os tais calores que anunciam ao corpo que é hora de sossegar.
Mas seu corpo é surdo aos sinais da idade.
O suor do corpo confunde-se com a umidade do desejo.
O corpo grita e se agita diante do desespero de encontrar-se só sem só estar.
Assim como os tais calores tentam sobrepor-se à sua umidade de desejo,
a solidão tenta ganhar forças e fincar bandeira em sua cama.
Mas ela não consegue resignar-se a um, tampouco ao outro.
Desafia a solidão.
Começa a tocar-se sem pudor e sem censura.
Provoca os calores.
Aumenta o ritmo do corpo com a pressa dos amantes solitários.
Provoca o suor.
Num ritmo quase frenético, contrastando com a quietude da madrugada,
explode em gozo, paixão e saudade.
Aos poucos, sua respiração volta ao ritmo normal.
Inebriada pela sensação mágica que o gozo produz em sua pele,
volta a buscar o conforto no peito imaginário de seu travesseiro.
Acomoda o corpo, extenuado pelo prazer, à cama vazia.
Dorme para acordar novamente em seu sonho, onde não mais está só.
Onde não há calor, nem pressa nem saudade. Apenas espera.
Plagiando Shakespeare, o escritor dos amantes desesperados,
duvida até da verdade, mas confia no seu amor.
Sai de mãos dadas com seu desejo, de trança e vestido de chita,
menina-mulher, simples, como deve ser a vida.
Ainda há tempo para brincar antes que o sol traga o dia e a faça,
mais uma vez, acordar para mais um dia de impotente resignação.


Viagem ao centro de mim



Este texto eu mandei, há 3 anos, para um amigo que chegou de forma intensa à minha vida. A memória mandou buscá-lo para que eu mesma tentasse  entender um pouco mais de mim. De alguma forma, é muito importante, para mim, externalizar de onde eu vim...

                                                Viagem ao centro de mim  
                                                Silvia Britto                                                                                                                        
Por favor, desculpe-me pelo meu desabafo.

Quem mandou querer ser meu amigo? Esse é o preço que pagam os que me amam. Nem sempre é você o receptor de minhas lavagens de alma. Dessa vez, algo me disse que tinha que ser você. Talvez porque me conheça há pouco. Cheguei de maneira muito intensa, como sempre, e acho que você deveria conhecer um pouco da minha história, até para que entenda um pouquinho melhor esta pessoa, aparentemente tão sem noção, que chega sempre atropelando, com sede de risos e brincadeiras.

Concordo com você. Acho que esse vazio pode ser a ausência de uma presença maior. De alguma coisa que dê sentido a nossa existência. Concordo até com o fato que essa "coisa" possa ser chamada de DEUS. Mas veja bem, não é por resistência e sim por não saber o caminho, que não chego até Ele. Não posso ser hipócrita e dizer, de uma hora para a outra, que creio. Seria a mesma coisa que dizer que posso voar. Talvez até possa... Mas não sei como! Sempre percebi que as pessoas que creem, são mais serenas, até mesmo mais acomodadas com o que a vida lhes oferece. Uma parte de mim as inveja. Mas é como se não fosse pra mim.

Você diz ter aprendido com sua mãe a não gostar de coisa pouca. Que maneira mais linda de aprender!
Não acho que tenha sido fácil.Tenho certeza de que você também teve momentos muito difíceis a percorrer. Não é simples para ninguém. E se chegou até aqui, lindo dessa forma, o mérito é todo seu. Por saber ouvir os conselhos. Por ter conseguido ter Deus em seu coração. Também aprendi. Mas foi levando tombo atrás de tombo por essa vida afora. Sempre tive que me contentar com migalhas. Com o que sobrava. Era isso ou nada. Até que um dia acordei, quebrei o vidro e vi que não precisava ser assim. Que não era pra ser assim. E comecei a fazer parte do mundo dos que vivem, deixando para trás o dos que assistem. Mas não tive a sorte de ter uma base sólida como a sua. Percebo, com encantamento, a sua emoção ao falar de seus pais, de seus irmãos. Não acho que era para ter sido diferente comigo. Temos que lidar com o que vem na nossa cesta.  Considero-me uma sobrevivente. Que bom que sou teimosa e inconformada. Mas sinto que preciso de algo mais sólido para firmar meus pés no chão e encontrar minha tranquilidade.

Apesar de tudo, me sinto vitoriosa de chegar até aqui. De conquistar pessoas tão especiais quanto você. Aliás, acho que você não poderia ter sido mais feliz ao me comparar a um diamante. Não estou querendo ser arrogante. É como sinto ser a minha essência. Ainda bruto. Mas completamente receptivo para ser lapidado e me tornar cada vez melhor. Principalmente para poder continuar a desfrutar da companhia de pessoas maravilhosas que cruzam o meu caminho.
Minhas intenções sempre são as melhores possíveis, mesmo que um pouco atrapalhadas. Sou intensa no meu amor e tento ser indiferente aos que não me fazem bem. O riso e a dança são armas poderosas que me permitem a liberdade da alma. Também sinto-me plena e feliz quando em contato com amigos queridos pelos Cafés da vida, nas salas de aula, nas esquinas do mundo...

Sou a segunda de uma família de três filhos.Tenho uma irmã mais velha que ainda muito pequena demonstrou ter problemas mentais: retardo de aprendizagem. Por causa de sua deficiência, minha família mudou-se para o Rio, em busca de ajuda, quando eu tinha seis anos de idade.Também tenho um irmão mais novo, homem, caçula. Sempre foi o xodó de minha mãe. Não me queixo. Só constato. Desde muito cedo, vi-me imprensada entre esses dois polos poderosos: uma irmã mais velha, problemática, que necessitava de cuidados especiais, e um irmão mais novo, a quem mimos não podiam faltar. A sensação era de completo abandono. Infelizmente, eu era "normal". Não culpo minha mãe. Imagino o que deve ter sido para uma jovem de vinte e um anos, cheia de planos e sonhos de vida, deparar-se com a dura realidade de ter tido uma primeira filha que necessitaria de cuidados para o resto de sua vida.

Repare que só me refiro a minha mãe. Meu pai era ausente emocionalmente. Bom provedor. Nada nos faltava materialmente. Estudei em um bom colégio graças ao seu esforço diário. Mas não estava ali para suprir, pelo menos um pouco, a lacuna emocional deixada por minha mãe. Bebia. Aos sábados. Engraçado. Não posso falar que meu pai era um alcoólatra tradicional. Bebia aos sábados. Era quando transformava-se em outro homem. Ria alto, falava besteiras, era inconveniente. Completamente diferente do homem que morava conosco durante a semana. Dizia que a bebida lhe deixava livre e feliz. Isso me causava uma enorme mágoa. Como assim? Então nós não lhe dávamos felicidade? Também, por vezes que nem me lembro mais, traiu minha mãe com aventuras amorosas por onde passava. Ela brigava, irritava-se, mas acabava perdoando e classificando as traições como "coisa de homem". Nunca concordei com isso. Não me cabe julgá-la. Mas eu não o perdoava. Sentia que a traição se estendia a mim e meus irmãos. E isso criou um abismo entre nós. Nunca consegui abraçar meu pai com todo o amor normalmente dedicado aos pais. Eram abraços de mágoa, por obrigação social. Esse foi o Dr Britto.

Lembro-me de haver tentado "adotar" uma mãe. Havia uma vizinha solteirona, muito querida, em São Luis, que me queria como a uma filha. Passava muitos de meus dias em sua casa, nesse refúgio que encontrei. Havia até mesmo um quarto especialmente para mim em sua casa! Sentia-me especial, paparicada, mimada, uma princesa. Mas isso me foi arrancado aos seis anos de idade, quando me mudei com a família para o Rio de Janeiro. Nesse momento, começou o meu vazio interno.

Constantemente, era deixada a minha própria sorte. Era o preço que pagava por ser "normal" e responsável. Brincava só. Não tinha amigos. Não ia ao cinema, clube ou parques como os colegas de escola. Tinha vergonha disso. Adorava ficar doente. Eram os momentos em que me eram destinados cuidados e mimos. Tenho vergonha de assumir isso. Zombava de minha irmã, mesmo com o coração apertado, só para poder ser aceita pelas outras meninas da escola. Mesmo sabendo, através de horas inesgotáveis de análise, que eu era apenas uma criança tentando conquistar meu espaço, não me perdoo por isso.

Uma vez você me questionou, como se fosse a coisa mais normal do mundo, se minha mãe não rezava comigo quando eu era pequena. Senti vergonha. Não me recordo nem dela contando estórias, que dirá rezando comigo! Também não ia a reuniões de pais na minha escola nem a festas comemorativas. Sinceramente, não sei o porquê... Acho que ela não achava importante, vai saber. Mas eu transferia essa falta de importância para mim. Afinal, ela não perdia nada na escola de meu irmão! Eu me levantava sozinha, às seis horas da manhã, e seguia direto para a escola, que começava às sete. Não tomava nem café! Minha mãe ficava dormindo. Nunca quis acordá-la. Via o duro que ela dava pra cuidar de três crianças e trabalhar fora, sem empregada. Não quero passar a ideia de que era uma mãe relapsa. Não. Era uma mãe cansada com a vida. Ainda jovem mas já conformada com o que Deus havia lhe destinado. Talvez aí tenha começado meu desconforto. Será que crer em Deus era isso? Conformar-se em ser infeliz e não lutar para melhorar a própria vida? Crer em Deus sempre me pareceu ser uma coisa muito resignada, conformista e retrógada.

Eu era apenas uma criança de oito anos mas já carregava nos ombros a pesada responsabilidade de sobreviver.
Ia sozinha, pelas ruas, ainda escuras, à escola "salvadora". Sim. Era o lugar onde me sentia a salvo. Onde desenvolvia meu mundo e minhas tímidas conexões com as pessoas. Consequentemente, tornei-me uma excelente aluna. Ali era o meu mundo. Não gostava de férias. Era como se fossem férias de viver. Por isso digo que cresci carente de brincadeiras.

Os únicos momentos felizes de que me recordo, eram as férias passadas em São Luis, com primos queridos e com as brincadeiras que me foram arrancadas ainda cedo. E os Natais. Os presentes. A árvore colorida. 
E a ilusão de família unida e feliz que via nos filmes da TV.

E assim fui crescendo. À toa. Ateia. E assim seguiram-se meus anos. Vazios.

Prometi a mim mesma que um dia teria essa família tão desejada. E cumpri. Por muitos anos tive um marido companheiro, fiel, carinhoso e que cuidava de mim como ninguém. Nunca o vi bêbado em trinta anos de convivência. Esse amor deu um fruto lindo, nossa filha. Éramos uma família pequena mas éramos felizes. Tomávamos café-da-manhã juntos, brincávamos, jogávamos frescobol na praia, discutíamos e acima de tudo nos amávamos. E assim passaram-se trinta anos de minha vida. Finalmente sentia-me amada e completa.

Mas a vida não é fácil. Meu casamento acabou, chocando a todos que nos conheciam, inclusive a nós mesmos. O carinho não acabou. Nem o amor. Mas o tempero, que faz um homem e uma mulher quererem dividir seus dias e suas vidas. Com o fim do casamento veio a solidão física, real. Quando essa juntou-se à solidão interna, antiga companheira de meus tempos de criança, trouxe um sentimento avassalador de vazio. Num primeiro instante, fiquei sem chão. Não sabia onde me agarrar para não cair. A vida não nos prepara para certas coisas. Mas aos poucos fui me refamiliarizando com essa antiga companheira. Acolhi-a. Não consigo resistir a sua força. Tento usá-la com mais sabedoria. Tento fortalecer-me com ela ao invés de sucumbir à sua força.

Decidi que, se estou aqui, é para ser feliz. E luto com unhas e dentes para alcançar essa meta. Mas ninguém sabe a força que faço para conseguir. É uma luta diária, pois a felicidade é agora, da qual saio vencedora na maioria das vezes. Mas há dias, como hoje, em que a solidão entra sorrateira, enquanto durmo. Não tenho como rebatê-la. O jeito é conviver com ela. Chorar, deixar o peito doer e esperar um novo amanhecer, talvez mais feliz.

E nessas horas, volto a ser criança. Tenho oito anos. Caminho pelas ruas como se estivesse novamente naquelas manhãs escuras de infância, carregando livros imaginários e com o estômago vazio de café-da-manhã, cuidado e amor.