A sereia
Silvia Britto
Já falei
antes aqui que sou uma sereia? Acho que não. Pois é.
Costumo dizer que sou uma sereia, dessas bem arretadas, nascida na Ilha do
Amor, São Luis do Maranhão.
Sou uma
sereia moleca, menina, exibida e brincalhona. Tenho uma facilidade absurda de
conquistar as pessoas com esse meu jeito corajoso e irreverente de brincar nas
águas do mar da vida. Sou plenamente consciente dos meus encantos e totalmente
responsável por quem cativo. Sou leal às minhas conquistas, amores ou amigos.
Mas há um
ônus enorme e inerente a essa minha condição de sereia. Acabo atraindo homens
maravilhosos, que encantam-se, verdadeiramente, por essa condição livre e rejuvenescedora
que proporciono. Ficam fascinados ao navegar nas ondas de calor que a minha presença provoca nas águas paradas que costumam circundar os mortais. Perdem-se nas curvas de meu corpo que se exibe, tão despudoradamente, a seus olhos de desejo.
Causo
turbulência, agitação, faço com que os homens sintam-se novamente meninos,
adolescentes, vivos, infinitos e eternos, assim como eu. Juram-me amor eterno.
Prometem-me viagens maravilhosas. Presenteiam-me com joias. Trazem-me flores.
Entram na minha dança. Encantam-se com meu canto.
E eu, sereia ávida por um grande amor, entrego-me a esses mimos e tento, com todas as minhas
forças, segurar a felicidade que me presenteiam. Tento até mudar a minha
essência de ser mitológico. Silencio meu canto. Tento nem respirar para ver se
o momento não passa. E, quando encontro alguém que me faz querer voar ao invés
de nadar, renuncio até à minha cauda, se preciso for, e venho para a terra
firme, qual a pequena sereia Ariel da Disney, para viver esse amor mundano e
comum que tanto me encanta.
Porém, viver
esse amor não depende apenas de mim. Nunca dá tempo de minha cauda transformar-se
em pés. Minhas paixões costumam morrer afogadas pelo seu mundo real.
Inevitavelmente, após algum tempo de plena felicidade e liberdade ao meu lado,
eles acabam por afogar-se e morrem. São tragados de volta ao mundo real. Voltam
para sua solidão, suas famílias exploradoras e egoístas, sua “liberdade prisioneira”, suas
culturas e até para suas mulheres de “perna e osso”.
E eu, triste
eu, fico largada em um cais qualquer da vida, a ver navios,
literalmente. Sinto-me abandonada e rogo fortemente ao pai Netuno para que
torne-me apenas mais uma dessas mulheres de carne e osso que passeiam livres e
felizes, de mãos dadas com seus amantes, tomando cerveja e dançando samba na
beira do cais.
Mas Netuno é
impiedoso. Exige para mim um homem de verdade, desses que o enfrentarão de
igual para igual, que não o temerão e o desafiarão para conseguir para si uma
de suas joias mais preciosas.
Já
encontro-me descrente de que esse homem virá. Já nem tento mais encantar
ninguém. Não aguento mais tanta decepção e solidão. Tento resignar-me a um nado
tranquilo, repleto de amigos, à calmaria das águas mornas do fim das tardes de
verão. Mas não consigo. Por mais que eu tente, que ria, que dance, que tenha
muitos amigos e pessoas queridas que se importam comigo, sigo solitária e com o
coração vazio de amor.
Infelizmente,
sou uma sereia que quer voar. Bem ao estilo Fernão Capelo Gaivota das sereias.
Lembram dessa história? Fernão Capelo é aquela gaivota que não se contentava com voos rasos e medíocres com o simples intuito de encontrar comida. Sonhava
com mergulhos vertiginosos do alto céu ao mar. E tanto fez e tanto tentou, que
conseguiu, mesmo que para isso tenha perdido a própria vida. Passou a voar no
céu do Paraíso.
Pois é...
Sou uma sereia com ambição de gaivota. Tenho que continuar nadando para não
sucumbir. Mas o mar está tão gelado...