Silvia Britto
Hoje estava sentindo-me um tanto quanto solitária.
Efeitos da quarentena forçada.
Peguei uma cerveja e fui para a varanda do décimo andar olhar
o céu.
De repente, peguei-me a pensar se a vida não seria um sonho.
Um conjunto
de lembranças que poderiam nem ter acontecido.
E se eu nunca houvesse saído do maranhão e aportado no Rio?
E se eu não tivesse pedido para voltar um ano na escola
nova?
E se tivesse mantido meu desejo inicial de cursar Medicina?
E se?
Teria eu casado?
Que parceiros teria eu encontrado no meu
caminho?
Teria eu tido filhos, separações, os mesmos amigos, as
mesmas decepções, as mesmas alegrias?
Que músicas embalariam minhas lembranças e quais seriam
elas?
A vida é mesmo muito engraçada, feita de escolhas que
determinam todo o resto de emoções com as quais temos que lidar.
Mas vejam só, não estou reclamando das minhas escolhas, elas
me tornam quem sou.
Mas me faz pensar que tudo é um sonho.
Que o aqui e agora
nunca se fez tão presente.
Que a vida passa rápido demais!
A cerveja está quase acabando.
Já tomei mais da metade da
garrafa.
E as lembranças?
Ah, as lembranças... Essas não acabarão jamais.
Pelo
menos, não as que escolhi ter nessa vida.
Cabe a mim, ou a nós, escolhermos as lembranças que teremos
daqui pra frente.
E assim eu vou vivendo, de lembrança em lembrança, de
escolha em escolha, enquanto eu puder beber.
Silvia Britto.
Abril 2020.