segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Sofrimento e infelicidade



Sofrimento e infelicidade
Silvia Britto

Sofrimento... Infelicidade... 
Hoje me peguei pensando no significado dessas duas palavras que parecem confundir-se mas, na verdade, não cruzam o caminho uma da outra. Pelo menos, não necessariamente.
A infelicidade, ou seu oposto, a felicidade, é um estado de espírito, é opcional. Já o sofrimento, é inevitável, imposto e necessário ao crescimento em qualquer situação, seja fisicamente, para superar os limites do corpo ou emocionalmente, para driblar as sandices do amor. Se eu pudesse, não optaria por sofrer em momento algum. Coisa ruim! Entretanto, se não sofrer, como crescer?
Tudo fica mais fácil quando entendemos que a felicidade é um modo de viver e não um objetivo na vida. Eu sou feliz. Agradeço à vida pela oportunidade de poder ver o amarelo dos girassóis, sentir o doce das frutas, desfrutar do calor do sol lambendo meu corpo e morrer de paixão ao encontrar outros lábios, cheios de amor, procurando pelos meus. Não temos o direito de ser infelizes diante de tamanho presente.
Contudo, também vivo momentos de dor. Não se pode evitá-la. Doem, aqueles que tem coragem de viver. Sofrer não é para os fracos. Esses apenas acham que sofrem e usam esse sentimento para chantagear sua vizinhança e conseguir, de forma mesquinha e falsa um pouco do mel das colmeias que não lhes pertencem.
Não posso admitir que me digam que sou uma pessoa infeliz. Isso seria, no mínimo, duvidar da minha inteligência e incapacidade de ver a luz da minha alma. Muito menos,  posso concordar que cultivo a infelicidade. Sou feliz. E muito! Sou feliz porque, apesar de tanto sofrimento, vejo um mundo de alegria. E que trabalho que me dá optar por essa tal felicidade!
Em outras palavras, não sou infeliz mas passo por momentos de dor e sofrimento. Às vezes, até desnecessários. Há situações que não dependem só de mim para que a dor me invada. É inevitável! Como reagir quando se perde um grande amor? Ou quando a saudade de alguém que nunca mais poderá estar conosco apertar? Como sorrir, se a dor de uma palavra parecer cortar nossa dignidade ao meio, com fio de aço? Como não doer a falta de um abraço apertado?
Repito: sofrimento é um mal necessário para que momentos felizes prosperem. Posso sofrer sem ser infeliz. Isso é muito mais comum do que se pensa. O que não posso é  me dar ao desfrute de ser infeliz. Isso, jamais!

Resumo da ópera: eu sofro mas eu sou feliz. E agradeço muito por isso!


terça-feira, 24 de novembro de 2015

Entre peitos e bundas



Entre peitos e bundas
Silvia Britto

Sou mulher, desde que me entendo por gente. Porém há momentos em que me incomoda um pouco ser parte desse grupo. Sei que nem todas são iguais, mas a competição e tentativa de “puxar o tapete” uma da outra é algo que, por muitas vezes, me enoja. Acho que é a minha parte “gente” que fala mais alto nessas horas.
Não digo que não faço lá minhas críticas também. Mas confesso que as faço quando atingida por idiotices que, não nego, tiram-me do sério. É o meu lado defesa que fala mais alto. Para se ter uma ideia, até meus olhos já foram acusados de serem falsos, de serem lentes de contato, como se ter olhos claros fosse algo que ameaçasse a integridade dos que não os têm. Pois eu conheço muitas mulheres (deixemos os homens fora disso, por ora) de olhos azuis e verdes que são mais feias que o capeta, principalmente internamente, em seus preconceitos e ignorâncias.
Constantemente, pode ser entreouvido por aí, quando a beleza de alguma linda mulher é colocada em questão: “Ah! Mas ela colocou silicone nos peitos! A bunda também foi comprada! Não percebem que faz chapinha no cabelo?”. E eu pergunto: e daí? E daí se temos recursos para mudar a cor dos cabelos, tirar pelancas extras da barriga ou do rosto, ou até mesmo fazer depilação definitiva para remover pelos anti-higiênicos e indesejáveis?
Particularmente, aos 17 anos de idade, fiz redução dos seios e isso mudou minha vida de adolescente deprimida para jovem mulher autoconfiante. E alguém ainda tem coragem de dizer que não o deveria ter feito? Que o bonito é ser natural? Que atire a primeira pedra a mulher que nunca pintou as unhas! Ou terão elas nascido vermelhas? Ou ainda, aquela mulher que nunca usou maquiagem! Ou será que os lábios nasceram mais rubros do que a maçã da branca de neve?
As falsas loiras, criticam as “luzes” das morenas. As morenas, criticam as sardas das ruivas. As ruivas, criticam o tamanho agigantado das bundas das mulatas... Affff! Quanta pobreza de espírito, sisters! Cansa-me ter que ver a que ponto hipócrita chegou nosso senso de beleza e inveja.
Porém, desconfio que o buraco seja mais embaixo. A crítica não vai aos cachos do cabelo ou ao tamanho dos seios e bundas. A crítica vai como uma forma de tentar sentir-se superior, de alguma forma, ao sucesso que a outra faz. O que incomoda, de fato, não é a bunda ou os seios, e sim a inteligência, o charme e aquele “quê” a mais que algumas mulheres possuem. Isso é inato! Não há como comprar simpatia na farmácia. Muito menos, sedução em bisnagas de tinta para o cabelo.
Há mulheres que, sem nenhuma maquiagem, sem penteados elaborados, sem roupas de grife e sem bolsas Louis Vitton, chegam e abalam qualquer ambiente. E essa beleza interior incomoda demais. Tanto, que as invejosas se pegam com fervor no silicone do peito e nas celulites das pernas para tentar compensar o que nunca terão: charme e luz própria!
Portanto, “critiquetes” de plantão, antes de julgarem a chapinha da outra, deem uma olhada em seus livros nas estantes, em seus discos, seus quadros nas paredes, suas fotos de viagem, a quantidade sincera de pessoas que querem o seu bem, na sua forma de expressar-se e escrever, no seu jeito de inserir-se nos problemas do mundo e na sua capacidade de passar de um papo “cabeça” ao não pensar em nada e deixar-se levar pelo som do “Charme” nas pracinhas dos subúrbios cariocas.
Por favor, não me venham falar de peitos ou bundas! Ou vocês acham que eles serão eternos? Olhem dentro dos meus olhos e tentem ver um pouco mais além da cor. Eles dizem muito mais do que sua vã ignorância as deixa ver.


sexta-feira, 13 de novembro de 2015

A fada invisível


A fada invisível
Silvia Britto

Ela era apenas uma mulher como todas as outras. Dessas que tem uma família, filhos, netos, cachorro no quintal, papagaio na varanda. Apenas não tinha papagaio. Tampouco netos. A filha há muito já a abandonara por força do destino e caprichos da vida e a cadela, cega num canto, quase não mais se fazia notar.
Fora uma mulher bonita, ainda se podia notar pelo brilho dos olhos que pareciam teimar em não perder o encanto quando, esporadicamente, a encontravam no espelho. Não era uma mulher material. Não guardara consigo as joias, sapatos ou roupas de grife que tivera a oportunidade de um dia usar. Despiu-se de tudo, quando optou por ser uma mulher livre e aberta para o amor. Estranhamente, sentia-se melhor assim, nua de objetos que apenas pesavam na sua busca pela real felicidade.
Porém, o destino não foi capaz de dar-lhe a felicidade plena pela qual sempre lutara. Em alguns recôncavos do seu caminho, ainda sentia-se incompleta, inapropriada e até mesmo ensaiava sentimentos retorcidos de mágoa pelas injustiças que a vida lhe impunha.
Costumava levar sua vida através de sua janela, compartilhando da felicidade barata e genuína de vizinhos e transeuntes costumeiros, a quem chamava, internamente, de amigos. Vibrou quando o namoro do portão em frente resultou em uma linda aliança nos dedos dos jovens suspirantes. Chorou de emoção quando o filho da balconista do armarinho formou-se doutor. Comeu com prazer o pedaço de bolo do aniversário de 15 anos de Aninha, a menina especial, que morava no fim da rua.
Hoje acordara um pouco mais emocionada que de costume. A família que morava ao pé da ladeira e que sempre a hostilizara por confundir sua vida livre e corajosa com, talvez, algum tipo de prostituição vulgar e ameaçadora aos bons e hipócritas velhos costumes, estava em festa. Havia uma movimentação natalina, misturada aos usuais sons de brigas e desentendimentos que de lá partiam e refletiam a vida dos que teimam em manter-se dependentes de velhos padrões de comportamento em que cada um é por si e Deus, por todos.
Apurara a audição e podia ouvir, nitidamente, o choro de uma nova criança, abençoando aquele lar e trazendo mais vida e continuidade àquela família que, apesar dos preconceitos inerentes ao que lhes é inesperado, também sorria e chorava de emoção. Era um choro de menina. Uma princesa chegava, trazendo sua contribuição de luz, orgulho e alegria para aquele lar.
Desta feita, ela nada podia fazer a não ser observar, invisível, de longe, a emoção que emanava da casa. Sentiu-se estranhamente feliz e também orgulhosa, como se fizesse parte daquele núcleo fechado à sua existência. Abriu os olhos do seu coração generoso e acolhedor e pode ver, com eles, as feições da linda vida que despontava. E sentiu-se madrinha. E sentiu-se fada.
E, como todas as fadas madrinhas, também fez suas profecias, embora de longe, à gentil princesa:

“Tu serás bela, serás graciosa, terás o encanto puro da rosa. 
Eu profetizo nesse momento, na tua chegada, grande talento. 
E te desejo, com meu condão, que tenhas sempre bom coração”.


Que Deus a abençoe, linda criança.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Espinha quebrada


Espinha quebrada
Silvia Britto

E mais uma vez a vida me pôs de castigo. Se uma vez quebrou meu sorriso para que eu aprendesse a sorrir, desta feita, quebrou minha coluna para que eu aprenda a manter a minha postura, sem me curvar ao que não me parece lógico.
Até aqui, minha vida tem sido um eterno cuidar, facilitar, ajudar, corresponder, arrumar. Sempre declinei do meu direito de também ter fraquezas e desejos. Carregava, sem parar para pensar, o peso do mundo nas costas. De tanto me curvar, está aí o resultado: minha coluna quebrou!
Passei quase uma semana de cama, quase imóvel, de castigo, obrigada a pensar e refletir sobre o meu comportamento. Descobri que há muita coisa certa e corajosa em minhas atitudes. Entretanto, fui forçada a admitir que há muitos equívocos na visão que tenho da vida.
Equívoco número um, é esperar que me cuidem da mesma maneira com que me dedico a cuidar de quem de mim precisar. Nem todo mundo é um “cuidador universal” como eu. Não tenho limites para a minha entrega. Choro, esperneio, grito e tenho uma coragem até imbecil de demonstrar minhas emoções e frustrações. Exponho-me sem a menor preocupação com estratégias de autoproteção.
E com isso, vou deixando que pesos enormes acumulem-se sobre o meu lombo. Às vezes por ingenuidade, às vezes por medo de magoar aos que me cercam. Medo esse, falso, perverso, que prejudica apenas a mim mesma, pois os outros, nem percebem a suposta proteção que lhes dediquei.
Lamento por não ter sido capaz de assumir meus desejos de forma mais rápida e lúcida. Vivia perdida, à deriva, em um mar que insistia em chamar de injustiça. Nada mais somos do que o reflexo das nossas escolhas. Tudo que acontece em nossa estrada, de certa forma, é uma escolha nossa. Portanto, não há que se falar em injustiça.
Da minha estrada, não tenho dúvidas. Amar é assumir a liberdade de ser feliz. Liberdade essa, que chega quando perdemos a necessidade de querer impressionar o mundo com nossa força ou flexibilidade diante dos problemas que parecem fazer fila, esperando o momento certo de furar os nossos sinais internos de proteção.
Ainda tenho muito que percorrer até sentir-me plena pois, infelizmente, isso não depende só de mim. Desconfio até que nunca o serei. O foco, mais uma vez cai no velho clichê de viver um dia de cada vez.
Se essa é a única solução que parece ser lógica, no momento, é hora de despir-me das expectativas que crio em torno do que é ser feliz. É hora de tirar o manto de mulher forte, que pode receber o peso do mundo nas costas. É hora de pedir água e um tempo para pensar e reformular o conceito de felicidade. É sabê-la infinita enquanto dure mas ter plena convicção de que é passível de fim. Novamente, é viver o tal dia de cada vez.
Quem sabe assim, mais leve, minha coluna consiga seguir, ereta, um pouco mais, por esta estrada adentro? Vou seguir o conselho do sábio confrade Botafoguense, o Zeca, deixando a vida me levar, sem nunca perder o meu já famoso rebolado, aquele, que é mais que um poema.

Preciso ir às compras: um pouco mais de espinha, por favor!

Reformular e recomeçar é preciso!