segunda-feira, 25 de novembro de 2019

É do inferno que se vê o paraíso


É do inferno que se vê o paraíso
Silvia Britto 

Os conceitos de paraíso e inferno são  antagônicos e complexos. Não cabe aqui um aprofundamento filosófico sobre eles, tarefa árdua e impossível para poucas linhas. O objetivo é tentar perceber sua função no nosso mundo contemporâneo e o controle que exercem sobre o nosso comportamento.  
Sempre mais desejado, o paraíso é um espaço atraente e virtuoso, repleto de flores, lagos azuis, crianças sorrindo e amantes se abraçando. Com um pouco de boa vontade percebe-se que o paraíso é aqui, é agora. A ele não é dado o seu devido valor e, quase sempre, tende a passar despercebido na correria caótica do nosso dia a dia.  
Por outro lado, o inferno é um lugar temido, de trevas infinitas, de doenças, de sofrimento e de competição desenfreada. Não é difícil perceber-se: o inferno também é aqui! É de onde se lamenta as oportunidades perdidas e a falta de coragem de enfrentar os medos antes que esses se transformassem em dragões invencíveis. É a privação completa das dádivas do paraíso. 
É exatamente no meio dessa privação que se dá valor ao que perdemos ou ao que não obtemos. A não ser que esse paraíso seja perdido, ele quase nunca é valorizado. É então que se chega a uma das maiores razões da ideia de inferno: é de lá que se vê o paraíso. Ou, pelo menos, é de lá que deveria vir o agradecimento pela nossa existência sem privações, a valorização do nosso paraíso, por vezes tão menosprezado.

O encontro



O encontro
Silvia Britto

Essa noite eu tive um sonho. Ou terá sido uma visão? Agora não sei, tão nítidas eram as imagens e acontecimentos.
Eu vinha andando, não sei bem de onde, mas de algum lugar bem distante, a julgar pelo pesar em meu corpo e em minha mente. O cansaço impossibilitava-me de seguir em frente e, por conta disso, sentei-me em um banco, à beira da estrada de terra.
Entretida estava em meus devaneios, quando passa por mim uma criança, trazida pelas mãos da mãe, uma mulher jovem e de olhar profundo.
A criança me olha e posso ver a alegria e encantamento que seus grandes olhos verdes e sorriso pleno transmitiam. Era uma menina.
Quando dou por mim, estou sentada no chão de terra batida, observando a menina que se esbaldava em um lindo e colorido parque que a ela se desvendou.
Ela corria solta, sempre observada pelos olhos atentos da mulher que dela não desviavam.
Descia pelo escorrega e caía na terra gargalhando. Balançava tão alto no balanço que quase foi abduzida pelo sol. Cantava músicas de roda a plenos pulmões.
Enquanto eu balbuciava baixinho as minhas angústias, ela gritava: YUPIIIEEEE!
Enquanto eu sentia o gosto salgado das minhas lágrimas, ela saboreava um maravilhoso e refrescante Chicabom.
Enquanto minhas pernas pareciam paralizadas pelo cansaço, ela parecia flutuar entre os cavalinhos do carrossel.
E assim passaram-se horas. Talvez dias. Até que a mulher decidiu que era hora de partir e chamou a menina que, correndo, jogou-se em seus braços.
As duas passaram por mim e eu pude sentir o perfume da liberdade emanando da criança.
De repente, a menina  virou-se em minha direção, correu e me abraçou, dizendo em meus ouvidos: “Um dia, eu vou crescer e serei você!” E se afastou correndo ao encontro da mulher. Foi quando pude observar que a criança usava sapatos de salto alto.
Sem saber o que dizer, levei as mãos à cabeça e percebi que eu estava de “Maria-Chiquinha” com um lindo laço amarelo a esvoaçar nos meus cabelos. Foi quando alguma coisa tomou força dentro de mim e fez com que eu gritasse para a menina:
“Não!! Deixe que EU volte a ser como você!!!!”

E saí correndo em sua direção, dando-lhe a mão enquanto, o agora trio, sumia no caminho de volta pela estrada que eu havia percorrido.

Angra me diz adeus


Angra me diz adeus
Silvia Britto
Dois anos se passaram. É hora de voltar pra casa. Estou feliz, pois era tudo que eu queria. Então, por que as lágrimas insistem em rolar pelo meu rosto? Porque não é fácil deixar para trás mais uma família.
Tive o imenso privilégio, quando decidi trocar os caninos e molares pelos Inquéritos e ofícios, de ser guiada por dois profissionais de ouro. Um, deVéras corajoso e didático e outro de uma e capacidade de gerenciamento/ planejamento e pragmatismo absurdamente nipônicos. Ambos, pessoas incríveis e muito generosas.
Convivi com uma variedade de pessoas fantásticas, sempre dispostas a oferecer um sorriso e uma mão amiga. Uma profusão de Leonardos, Carolinas, Isas e Rafas. Bonequinhas chinesas e árabes. Pombos correios. Magos das telas. Bruxas quânticas sulistas, de longas pernas e coloridas flores, contrastando com a brejeirice miúda de sotaque mineiro-bahiano das Januárias do mundo.
Vi pais e mães nascerem, famílias crescerem.
À frente, nossos agentes ao melhor estilo 007 e, na retaguarda, policiais capazes e muito brabos (só que não!).
A turma de cima. A turma da frente. Os que já foram. E a equipe quase totalmente Alvinegra das lindas e queridas meninas da psico (de onde mais poderiam ser para me acompanharem na doce loucura de torcer pelo Fogão?)
As moças da limpeza, que não falhavam em suas encheções de saco diárias, levando com elas as provas de nossos erros e inseguranças, além de fornecerem a cafeína quente e indispensável para os dias de trabalho pesado. (aliás, vou processar quem me disse que servidor público tem uma vida mansa!).
Também tem a ala internacional de Johnies, Jeffs e Angels. Meus meninos de ouro! Vai ser difícil viver sem poder extravasar o bullying nosso de cada dia.
Os momentos gourmet, com bolos de maçã, caldinhos de abóbora com camarão, bolinhos de chuva... Graças a eles vou embora de Angra rolando! Afff!
Indispensável dizer que vou levar muitas saudades . Mas o que mais me orgulha, é que sei que também vou deixar muitas saudades. Meu jeito franco, direto e moleque serviu para, de alguma forma, provocar algumas gargalhadas e trouxe a leveza necessária para um ambiente de amizade e ajuda mútua. O trabalho duro ficou marcado pelas incontáveis horas extras que se espalham em meu registro de ponto, usadas para transformar e organizar as prateleiras por onde andei. Também vou deixar minha marca nas carimbadas que lancei, às vezes sorrindo, às vezes chorando.
Portanto, gostaria de agradecer a todos pela oportunidade que me deram de poder deixar saudades. Vocês agora fazem parte da colcha de retalhos que é a minha vida. Retalhos acumulados pelos lugares por onde eu passo.
Despeço-me com apenas mais duas palavras: a Deus!
Amo vocês, bandibocós queridos!

Rivais, sempre. Inimigos, nunca!


Rivais, sempre. Inimigos, nunca!
Silvia Britto

Há muito que não escrevo mas senti uma vontade muito grande de vir aqui desabafar. Tudo por causa do suporte que dei ao Flamengo, contra os argentinos, na taça Libertadores.
As críticas, obviamente, vêm dos torcedores dos demais times do Rio, principalmente do meu tão amado Botafogo. Acho que sou a única Botafoguense que conheço que torceu para o Flamengo. Fui, inclusive, chamada de “torcedora Nutella”, por esse suporte que dei ao rubro negro.
Em primeiro lugar, Nutella é a puta que os pariu, com toda minha peculiar meiguice. Nutella, para mim, é quem adere a essa moda de fazer parte de facção e não de torcida. É quem apoia essa desunião bélica em que se transformou nosso futebol. É quem fala mal do time sem se dar ao menor trabalho de tirar a bunda do sofá e ir a um jogo no Niltão.
Eu, senhores, sou torcedora raiz, que sofro in loco, que vou a quase cem por cento dos jogos, que sou sócia torcedora e amo incondicionalmente minha Estrela Solitária. Raiz, é aquele torcedor que, como eu, lamenta, com saudade, a perda daquela rivalidade sadia entre torcidas, descendo juntas a rampa do Maraca, cantando seus hinos, e trocando telefones para futuras paqueras. Quantos amores entre times rivais eu vi nascer! Éramos felizes e aproveitamos como ninguém aqueles domingos que começavam na praia e terminavam na alegria que era ver nossas bandeiras tremulando nas arquibancadas do Maracanã. Que espetáculo lindo quando as bandeiras se cruzavam no meio tempo, para ficar do lado onde estavam seus corações. Nutella, senhores, são vocês, que seguem a infeliz modinha de participar de facções e não torcidas.
Também sou muito atacada por ser fã de carteirinha do Zico, um dos jogadores mais brilhantes e inteligentes que já vi jogar. Também admiro muito  Leandro,  Reinaldo,  Fred,  Rivelino, Júnior, protagonistas que faziam meus olhos brilharem assistindo ao esporte que tanto amo. Além deles, também amo de paixão o Marinho Chagas, que me fez ser escolhida pela Estrela, Jairzinho, Nilton Santos, Mendonça, Garrincha, Heleno e tantos outros a quem tenho a honra de chamar de ídolos Gloriosos. Aí, vêm os críticos dizendo: “Ah, mas o Zico não ganhou Copa do Mundo!”, “é jogador de time”... Pra quem não sabe, Zico não ganhou Copa do Mundo, mas foi campeão do mundo! E é amado e idolatrado até hoje e até o fim de seus dias.
Por fim, quero dizer que há muito que sigo o meu coração. E esse, meus caros, é de paz e não de guerra. Infelizmente, por conta dessa guerra que se tornou o futebol, meus sentimentos pelos Flamenguistas não é dos melhores. Sei também que é por culpa de uma pequena parcela de meliantes arrogantes que não perdem tempo em fazer ataques, às vezes mortais, aos seus oponentes. Por ser maioria, tornou-se a torcida com mais arrogantes que conheço. Mas também há, entre eles, muitos torcedores raiz, assim como eu. E a esses últimos eu remeto meus parabéns pelo trabalho bem feito e merecimento. Não gostei que o triunfo veio através de um jogador que, para mim, é símbolo desse “nutelismo”, que pratica o anti futebol e que não deveria, nem de longe, subir em um pedestal que Zico já ocupou. Mas, o mundo está de cabeça pra baixo e isso sim, eu tive que engolir a seco. Mil vezes as honras fossem ao Arrascaeta!
Por fim, devo dizer que, para o Mundial, continuarei a seguir meu coração. Morei na Inglaterra por nove anos. Meu time por lá, passou a ser o Liverpool, desde minha chegada na terra da Rainha, no ano de 1988. Sei lá porquê! Talvez por causa dos Fab 4. Fato é, que meu coração, na final do Mundial, será vermelho, doa a quem doer. Essa sou eu, com minhas incongruências, mas sempre seguindo meu coração raiz. GO YOU REDS!!