quinta-feira, 26 de junho de 2014

Tarde de outono, no inverno


Tarde de outono, no inverno
Silvia Britto

Há momentos em que me bate um vazio tão grande no peito. Uma solidão típica de tardes frias, vazias e solitárias. De repente, me vejo aqui, disponível, com vontade de entregar meu corpo e meu coração, e simplesmente não há como... Ou há. Sei lá...
Como sempre, resta-me o recurso da escrita para desabafar meu coração dolorido. Em um momento, parece-me estar sendo cortejada, desejada e paparicada por um anjo, que me sussurra palavras de amor ao ouvido e que me faz ir às nuvens de felicidade. No outro, meu anjo desaparece e desmaterializa-se, deixando-me a pensar que sonhos tem que ser apenas sonhos. E eu continuo presa dentro de um vazio, sozinha, bêbada de felicidade descartável.
Ainda bem que tenho o dom de desabafar através das minhas palavras escritas. Anos e anos de leituras solitárias, de livros e romances pelas bibliotecas da vida, me valeram de alguma coisa. Meu coração sabe falar. Melhor ainda, sabe escrever. De modo que, pelo menos, expulso meus fantasmas do peito e os transformo em palavras.
Acho que vou sair. Mais um passeio solitário pelas ruas da Zona Sul do Rio de Janeiro, em meio aos milhares de turistas que aqui estão pela Copa do Mundo. Mas, não! Já me arrependo do que disse! Não será solitário. Será com minhas promessas, meus sonhos e meus delírios de mulher de outono. Lá fora faz um frio aconchegante e envolvente. Desses que não devem ser ignorados. Mas não é um frio tão inóspito ao ponto de não querermos que nos envolva. Perfeito para devaneios de lágrimas que insistem em sair.
Também vou levar minhas músicas. Afinal, todo dramalhão que se preza deve ter uma trilha musical a altura. E lá vão renascer da sua eternidade os Bee Gees, Frank Sinatra, Cazuza, Karen Carpenter e todos os companheiros que me ajudaram a desabafar e aliviar meu coração na minha adolescência. Amigos leais de toda uma vida que sempre estavam ali, a espera de um comando para me acompanhar.
E essa sou eu, mil mulheres em uma. Hoje, já fui moleca, mãe, dançarina, estudante, amiga e doutora. Agora, deixarei minhas lágrimas encarregarem-se de dar-me aquele prazer melancólico e solitário que só os fortes entendem. Paradoxal? Não! É preciso ser forte pra ser verdadeiro, assumir-se e admitir-se louco. A vida é para os corajosos e para os petulantes. E que venham a solidão, as lágrimas e as dúvidas. Que todas as perguntas que não posso responder tomem conta de mim. Que as pessoas façam sentido. Que minha imaginação fértil me ajude a entender e encontrar respostas que tornem tudo mais simples, como tem que ser a vida.


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