sábado, 7 de junho de 2014

É ruim da cabeça ou doente do pé!


É ruim da cabeça ou doente do pé!
Silvia Britto

Fui almoçar com um amigo querido. Rimos, choramos, lembramos da nossa adolescência feliz e livre, torcemos muito para que reencontremos nossos caminhos, enfim... "amigamos".
Ao final, separamo-nos jurando sermos mais frequentes em nossos encontros para mantermos acesa a chama da nossa linda amizade, pilar fundamental de nosso relacionamento. Assim não fosse, a vida não nos daria o presente do reencontro depois de quase 35 anos!
E lá vinha eu, sozinha pelas ruas do Centro do Rio, quando comecei a observar as pessoas passando por mim. Umas vinham em bando. Outras, solitárias que nem eu. Todas com pressa de ir de algum lugar a lugar nenhum. E eu, a observar aquela solidão coletiva. Dei-me conta de que nenhuma delas percebia a deliciosa brisa morna que lambia nossos rostos naquela linda tarde de outono. E fiquei triste por elas. Estavam com pressa de chegar, sabe-se lá Deus aonde.
Deixei uma grande Paz invadir-me o peito e fechei os olhos. Ao fundo, identifiquei um som que me chamava insistentemente: era um samba! De um dos bares da Rua do Ouvidor, chegava-me aos ouvidos a linda canção do Agepê, que sempre me fez sonhar e esperar que alguém, um dia, a cantasse para mim: "Deixa eu te Amar". Entendi que aquele era um pedido que a vida me fazia para aproximar-me dela e fui andando, em direção à melodia.
Um grupo de samba tocava, animado, em um dos bares e as pessoas em volta pareciam nem perceber o encanto que ali se dava. Fui chegando devagarinho e pedi um chope no balcão. Aos poucos, e sem que me desse conta, comecei a balançar o corpo ao sabor daquelas lindas melodias. De Agepê, passaram à Clara Guerreira, engatando, logo em seguida, meu eterno ídolo, Paulinho da Viola. Quando entoaram o grande Rio Que Passou em Minha Vida, percebi que lágrimas corriam pelo meu rosto.
E quando as lágrimas rolaram, o cantor do grupo deu um breque e perguntou porque chorava a tão linda senhorita. Levei alguns segundos para perceber que ele falava comigo. Sem me dar por rogada, respondi com a sinceridade que me é peculiar: "Choro porque meu coração está com saudades". Ele fez uma expressão engraçada com o rosto e disse que não podia crer em tal blasfêmia. Que quem quer que houvesse feito aquilo comigo, era ruim da cabeça ou doente do pé. E pediu-me que fizesse um pedido de alguma música que seria dedicada a mim. Como sou abusada e atrevida, pedi "Pensando em Ti ", de um dos melhores cantores brasileiros de todos os tempos, em minha opinião, Nelson Gonçalves. Confesso que não tinha nenhuma esperança de que meu pedido seria atendido. Feliz engano! Ele sorriu e mandou ver, olhando-me nos olhos e fazendo-me a alma quente de vaidade e felicidade por ter inspirado aquele momento. E não parou por aí. Mandou mais umas três do mestre Nelson, para mostrar que não era fraco!
E eu sorri. Aquele gesto de carinho, vindo de alguém que nunca me havia visto, fez-me imensamente feliz por ver que minha aura não era tão invisível assim. Melhor! Deu-me a certeza de que não sou ruim da cabeça e muito menos doente do pé!
Pedi a saideira, sambei mais um pouco e segui minha estrada, não sem antes soprar um beijo carinhoso ao cantor, que me respondeu com uma encantadora piscadela.
Fica aqui uma dica: se querem me fazer feliz, não me convidem para shoppings, templos de consumismo em que se busca comprar uma autoestima que pode ser trocada por qualquer outro artigo de preço similar. Chamem-me para o SAMBA! Não me deem joias caras, que só servem para provocar a cobiça e a inveja alheia. Paguem-me uma cerveja! Não sou uma mulher cara. Sou uma mulher extremamente barata! O difícil é encontrar quem consiga pagar o meu preço, que é o da simplicidade de viver.
E continuei o meu caminho, sentindo a brisa morna no rosto, sem pressa de chegar, saboreando os pequenos prazeres da vida, que fazem com que eu me sinta uma mulher muito iluminada por provocar esses contatos Divinos, sendo apenas eu mesma, despida de quaisquer estratégias de egoísmo e desamor.

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