domingo, 22 de junho de 2014

Mamãe e papai

Mamãe e papai
Silvia Britto

Hoje eu sonhei com a mamãe e com o papai. Fazia muito tempo que não sonhava com eles nem individualmente, imaginem juntos!
A primeira lembranças que tenho de meus pais é de pessoas alegres, barulhentas, festeiras. Praticamente toda semana arrumavam alguma bagunça para fazer em casa e chamar os amigos.
Minha mãe ia pra cozinha fazer as comidas inesquecíveis que costumavam maravilhar a todos, vatapá, torta de camarão, caruru, dobradinha, repolho recheado... Lembro-me dela, cozinhando angustiada pelo tempo que corria, de bobes no cabelo e com as unhas impecavelmente vermelhas. Era danada, aquela baixinha.
Enquanto isso, meu pai cuidava da "pista de dança". Afastava os móveis da sala, escolhia o repertório, colocava a cerveja pra gelar e já aproveitava para ir abrindo os trabalhos ele mesmo, com uma Antártica bem gelada e Nelson Gonçalves aos berros na vitrola.
Eu, criança, passava da sala para o quarto, e daí para a cozinha, ocupada com meus afazeres infantis, absorvendo toda aquela atmosfera festiva e animada.
E iam chegando os amigos. Vários amigos. A casa ficava cheia e eu me perdia naquele mundo de vozes, cheiro de comida gostosa, música alta, risadas e muita animação.
Do meu pai, herdei a alma boêmia, a coragem de sair pelo mundo e adequar-me a qualquer situação. Sem querer ser modesta, pois isso não combina comigo, também herdei-lhe o charme. Fazia sucesso por onde passasse, o Dr Britto.
De minha mãe, herdei a maneira honesta e verdadeira como sempre encarou a vida, a facilidade de falar com todos sem inibição, a sensualidade moleca e bagunceira e os lindos olhos verdes... Ah, os olhos verdes! Eram sua marca registrada e ganhavam elogios por onde iam. Mas eles continuam vivos em meu rosto e os elogios também continuam.
Infelizmente, por caminhos da vida, que nem mesmo eles sabem a razão de terem percorrido, essa animação foi morrendo aos poucos. Em seus últimos anos, meu pai já andava deprimido em cima de uma cama e minha mãe perdeu também aquele brilho e energia que lhe eram tão peculiares. Triste, mas quem sou eu para entender as peripécias da vida.
Voltando ao sonho, que eu sou craque em perder-me em pensamentos paralelos!
Sonhei que estávamos em uma espécie de festa, em uma praça interna de algum lugar. Tocavam, um atrás do outro, os lindos boleros da minha infância. Fui seguindo a música e deparei-me com uma espécie de coreto, onde alguns casais dançavam meio desanimados. Eis que surgem lá do fundo, meu pai e minha mãe, dançando lindamente como costumavam fazer em sua juventude. Esqueci de dizer que os dois arrasavam em uma pista de dança! Mas, no meu sonho, tinham a aparência da última lembrança que tenho deles. Apenas traziam no rosto a alegria e o brilho da sua juventude. e rodopiavam lindamente pelo coreto.
Eu, assistindo de longe, não conseguia conter minhas lágrimas e soluçava sem parar, da mesma forma que faço agora, ao escrever este texto. Sinto que, de alguma forma, eles encontraram um caminho de chegar até a mim e me dizer para não desistir de sorrir, de dançar e de ser feliz. Que eu pegue a mão do meu amor e saia por aí dançando nas ruas, nas festas infantis, na Lapa, nos bailes da vida, com amigos e com muita alegria e vontade de viver.
E é exatamente isso que pretendo fazer, papai e mamãe. Dar a mão para o meu amor e seguir festejando a vida por onde eu passar, deixando sempre um rastro de otimismo, positividade e alegria por onde passarmos. Dessa vez, eu prometo obedecê-los.
E agora, com licença que a vida me chama insistentemente para ouvir um chorinho na praça. Ainda sem o meu amor. Mas tenho certeza de que ele está a caminho e que juntos seguiremos felizes até o final de nossos dias. E por mais um ano!


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