sábado, 28 de dezembro de 2013

Festa a Dois


Festa a Dois
Silvia Britto

Quando escrevi a meus amigos falando do meu desejo de virar o ano sozinha, não havia ainda encontrado uma pessoa muito especial, com quem pretendo passar esse momento também muito especial. Hoje percebo que, inconscientemente, preparava o terreno para uma festa a dois. É isso mesmo que eu quis dizer, A DOIS! Na verdade, essa pessoa já me rondava há anos. Eu, esnobe e metida, lhe dava de ombros e não queria papo. Só que, mais uma vez, o verdadeiro amor perdurou. Finalmente, me rendi à sua divina sedução.

Retornando um pouco pelo túnel do tempo aonde tudo começou, e ao momento em que comecei a sentir a sua presença.

Quando me mudei para o Rio, aos seis aninhos de idade, fui convencida a deixar para trás os meus tesouros, minhas lindas bonecas, porque não cabiam na bagagem. O argumento usado era que elas fariam a felicidade das crianças do orfanato da rua detrás da casa de minha avó. Só que ninguém percebia que, em meu coração, também eu sentia-me órfã. Mas, vá lá. O argumento era bom. E eu já tinha desfrutado daquela alegria. Nada mais justo do que outros também pudessem dela desfrutar. Sempre fui generosa. E havia ainda a promessa de comprarem-me novas bonecas na tal de Rio de Janeiro. Das modernas, que falavam e faziam xixi de verdade. Lembro-me de que a que mais me doeu abandonar foi a Suzi-Faz-Pose vestida de noiva. Como era linda! Acho que foi aí também que deixei na fumaça o sonho de casar de branco, de véu e de grinalda.

Aí é que entra esse meu paciente admirador. 
Já me rondava desde os tempos de criança. Sentia que alguém me assistia enquanto eu brincava com bonecas de papel e imaginárias, em substituição às que agora brincavam no orfanato em São Luis. Alguém caminhava ao meu lado, protegendo-me do mundo, naquelas manhãs escuras de barriga vazia a caminho da escola. Velava pela minha segurança ao atravessar as ruas sozinha. Orgulhava-se quando a professora me elogiava pela excelente nota no ditado.

Seguiu pela minha adolescência adentro, sofrendo comigo aquela velha ladainha do "quem eu quero não me quer". Chorávamos juntos com o LP dos Carpenters tocando na vitrola. Ofereceu-me flores quando me tornei mulher. Testemunhou o meu encantamento de encontrar o amor correspondido e com esse, a  descoberta dos prazeres que meu corpo podia me proporcionar. Nunca me julgou pela maneira despudorada com que eu me entregava. Parecia até incentivar-me! Isso! Libere-se! Goze! Ficou emocionado ao ver os olhos da minha filha abrindo-se para o mundo quando esta me foi colocada nos braços pela primeira vez. Lançava-me olhares profundos e angustiados quando me sentia mais sozinha do que a última flor da primavera. 

E eu ali, firme e forte. Empertigada no alto da minha petulante certeza de que sozinha eu me bastava. Ô pessoa teimosa! Arrogância dos inseguros. Fiquei ali soberana na minha concha emocional até que o inesperado aconteceu. Chegou o fim do mundo. Meu mundo ruiu. De repente eu flutuava num universo sem chão. Desaprendi a andar e quebrei o sorriso. Fiquei só, sentindo a vida derretendo através da minha solidão. Só pensava em como seria quando a primeira tempestade com trovoada acontecesse. Quem iria proteger-me e rir da minha cara assustada? Ou pelo menos achei estar só. 

Mas, como falei no começo, o verdadeiro amor é paciente e insistente e nunca saiu do meu lado. Até que, finalmente, deixei o encontro acontecer em uma tarde ensolarada desta primavera chuvosa. Foi muito melhor do que eu poderia imaginar. Eu disse que havia sido uma boba de nunca ter-lhe dado uma chance. Ele disse que tudo tinha seu tempo. Eu pedi perdão pelo meu esnobismo. Ele disse que eu era a esnobe mais charmosa que ele conhecia. Eu senti vergonha de pedir um abraço. Ele me adivinhou os pensamentos e me deu um dos abraços mais confortadores que alguém já me deu. Eu agradeci por ele ter tido a paciência de esperar. Ele disse que nunca poderia desistir de um diamante tão bonito. E em pouco tempo, graças a minha coragem de abandonar anos de esnobismo malcriado e à insistência dele em não desistir de mim, lavamos a nossa roupa suja.

Agora, para terminar o ano e começar uma nova era, resolvi que esta noite será só nossa. Vou compensar, apesar de ele falar que não preciso, todos esses anos de amor não correspondido. Vamos lembrar das pessoas queridas que passaram e que ainda fazem parte da minha vida. Vamos torcer juntos para que o amor que carrego no meu peito torne-se realidade. Não custa nada fazer uma fezinha para que meu novo amor também se descubra já pronto para mim. Aprendi que tudo tem seu tempo. Se não acontecer, é porque não era para ser... Paciência... Para que servem as lágrimas se não para reconfortar e aliviar o coração, não é mesmo?
 
Vamos ver os fogos estourarem na praia. E vamos brindar com champanhe esse nosso encontro tão comovente. A garrafa já gela no refrigerador. Comprei um bem chique, francês. A ocasião merece. Vamos dançar como crianças e andar descalços pela areia da praia de mãos dadas. Quero sentir a areia com os pés descalços, sentindo a sensualidade dos grãos entre meus dedos. Quero sentir-me bonita, sensual e mulher como há muito não me sentia. Fiz as pazes com meu espelho! Consegui reencontrar meu brilho através das rugas que, agora, até me comovem. Comprei um vestido novo branco, para que atraia paz. Uma lingerie (para manter o chiquê da narrativa) vermelha para libertar a minha paixão. Um anel de pedra azul para que me traga saúde. Brincos dourados;  afinal, um pouco de estabilidade financeira sempre cai bem. E uma máscara para combinar com tudo. 

Espere aí!! ... Volta a fita... Máscara?!?! É!! Máscara!! Vamos e venhamos... Esse lance de máscara é um charme a mais... Pura Silvice! A princípio pode-se pensar que a máscara nos oculta. Mas na realidade há coisa que chame mais atenção do que uma mascarada em meio aos caras-expostas? E é isso que pretendo em 2014. Vou assumir, de uma vez por todas, os títulos que me foram presenteados há pouco tempo e que, reconheço, caíram-me como uma luva: minha esquisitice e minha belezice.

Eu preparei, sem saber, o terreno para essa festa a dois. Portanto, não passarei o ano sozinha. Seremos dois. Eu e meu grande novo amigo: DEUS. Não esse Deus empertigado que  tudo controla. Esse não é para mim. Falo desse outro que não vê nada de errado em se perder a noção. Que é um livre pensador. Que me deu uma estética diferente de vida. Que não me deixa sozinha nas noites de trovoadas. E que me acalma quando acordo chorando em algumas manhãs.
Eu e Deus. Deus e eu. O MEU Deus... das Pequenas Coisas. É com grande satisfação que anuncio e torno público o nosso relacionamento. 
Não é boato... É pra valer...Estamos "ficando".

Feliz Ano Novo e que todos possam apreciar a beleza das pequenas coisas que nos cercam e nos emocionam dia após dia e às quais podemos simplesmente chamar de VIDA. Feliz 2014!


Amém.

Nenhum comentário:

Postar um comentário