segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Sorriso quebrado


Sorriso quebrado
Silvia Britto
  
Hoje é dia dois de dezembro de 2013.

Considero a data como uma das vezes em que renasci. É um dos dias de meu aniversário.

Há exatamente três anos,eu estava deitada sobre uma cama de hospital, em Copacabana, com a alma, o sorriso e, literalmente, os dentes quebrados. Foi o fechamento de um ano que considero um dos mais difíceis de minha vida. Havia perdido um amor, uma família, estabilidade, tranquilidade e, pior de tudo, a confiança na vida.

Os médicos fizeram mil e um exames para tentar encontrar o meu problema. Infelizmente, a Medicina ainda não está equipada com aparelhos de ultrassonografia para emoções. Caso contrário, teriam detectado meu problema. O tumor estava lá. Na alma. Enorme. Corroendo-me as esperanças e planos de vida. Roubando-me um futuro que julgara perfeito.

Não tenho a menor dúvida de que foi uma estratégia da minha mente, em combinação com meu corpo, para me fazerem parar a tempo, antes de ser engolida pelo redemoinho da desistência. Resolveram os dois: "vamos fazer essa pessoa chegar logo ao fundo do poço, para que possa repensar o seu mundo". E assim foi. Cheguei ao fundo do poço e fiquei ali de castigo, na cama daquele hospital, sem poder sorrir e muito menos fugir.

Retornei literalmente à infância. Tinha que usar fraldas. Não podia levantar-me para ir ao banheiro. Só podia me alimentar com líquidos. Era banhada na cama, por enfermeiras atenciosas que me viravam de um lado para o outro para conseguir assear-me por inteiro. Não podia levantar. Estava presa por uns 74653426477 fios que controlavam o coração, o pulmão, a pressão e a cabeça. Não me restou opção. Só podia pensar. Refletir. E chorar. 

E como chorei! Chorei pela perda do amor. Pela perda da família que vinha há muito tempo construindo com carinho. Pelo sorriso quebrado. Pela saudade de uma vida. Chorei até ficar vazia.Agora era decidir: partir ou renascer.

Uma amiga visitou-me. Levou-me um esmalte de presente. Apesar de eu ter lhe agradecido na hora, ela nem imagina a força emocional que aquele esmalte me trouxe. Lembrou-me da "mulherzice" que vive dentro de mim. 
Uma mulher guerreira, de bem com a vida e com muita, mais muita vontade de ser feliz. Feliz por nada.
  
Obviamente, se escrevo, escolhi renascer. E se era para renascer, que fosse por inteira, como sempre fiz tudo em minha vida. Não suporto mediocridade. Gosto de me atirar. Se for de olhos fechados, melhor ainda. Mas não foi fácil. Tropecei muitas vezes. Encontrei muitos amigos no caminho que juntaram-se aos antigos, deram-me as mãos e aos poucos foram me resgatando para um outro mundo, tão verdadeiro quanto o primeiro que deixei pra trás. Apenas diferente. Cheio de perspectivas e emoções novas.

Hoje  a alma está leve. O coração, apesar de solitário, tranquilo. E o sorriso... Ah, o sorriso...Esse está de volta com sua força total. Os dentes podem não ser totalmente verdadeiros. Mas o sorriso, se repararem bem fundo, conseguirão ver através dele, por completo, meu coração. Entrego-me através dele. 

Pena ainda não haver ultrassons de sentimentos. Só queria poder ser mais uma prova viva, cientificamente comprovada, de como os tumores podem regredir. Pelo menos os da alma.


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