terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Outono


Outono
Silvia Britto
  
Hoje estou aqui, diante da tela, movida por uma grande solidão.
Acho que estou naquela fase em que a vida está se transformando ao meu redor e não tenho o menor poder de interferir no seu curso.

Coloco uma música, fecho os olhos e imediatamente sou remetida a uma época muito distante no calendário, mas que, na minha cabeça, parece que acontecia ontem. Tenho sonhos de encontrar um grande amor, de conhecer o mundo inteiro... Não consigo aceitar que isso não me pertença mais. 

Que saco! Sei que essa é a pior maneira de envelhecer e quem me escuta falar assim, logo pensa que sou uma anciã de 80 anos! Não é bem isso... É pior! É aquele momento chato de transição em que passamos do verão para o outono da existência. 

Claro que tudo deve se adequar a essa nova realidade. As roupas, a maquiagem, a cor do esmalte, a altura dos saltos, o comprimento das saias e do cabelo, tudo deve estar de acordo com essa nova estação que se anuncia. Mas morro de pena de deixar tantas emoções para trás assim. Saudades do brilho dos meus cabelos e da minha pele.

Por um lado, até já consigo vislumbrar algum charme nas cores outonais. Há uma beleza clássica e serena em seus tons de dourados e marrons... Mas gosto tanto dos vermelhos e amarelos! Que coisa difícil! Parece que tenho mesmo que aceitar que não sou eterna e que a morte é uma certeza. 

Nunca tive medo de morrer, só não sabia que a morte começa enquanto ainda vivemos. Tento não pensar assim, não sou macabra. Mas como não sentir que estou saindo do jogo quando ando pelas ruas me sentindo invisível? Quisera ter tido essa consciência aos meus vinte e poucos anos. Teria aproveitado muito mais... Será?

Escrever tem sido uma maneira de deixar um testemunho de que existi. Fico imaginando que num tempo bem lá no futuro meus netos lerão essas palavras e conhecerão um pouco mais desta pessoa que então chamarão de vovó. Será que os terei? Será que algum deles se reconhecerá em mim? Ei! Vocês aí no futuro! Escutem o que uma pessoa que já passou por isso lhes aconselha... Ei!! É... Não adianta, estão todos muito ocupados em não perder tempo sabe lá de quê e atrasados para chegar sabe Deus aonde.

Também passei, e ainda passo, por isso. Só que já sei que a pressa só vai me levar a lugar nenhum. Mesmo assim, ainda não internalizei que preciso dosar o passo, que é melhor desacelerar e curtir o caminho que me foi destinado. Acho que é mesmo inevitável gastar muito dessa energia vital atirando onde não se vê enquanto somos jovens. Mas espero que vocês aí do futuro tenham pelo menos a capacidade de guardar em um cantinho dos seus pensamentos que a vida não é um plano que fazemos e conquistamos da maneira que o escrevemos.

Planos só existem para trazer frustrações ao não realizá-los. Prazos apenas servem para trazer angústia. Porém, são estratégias necessárias para ir seguindo o curso. A vida é como um rio que nos transporta pelos seus redemoinhos e correntezas. Às vezes agitado, às vezes calmo. Às vezes ensolarado, às vezes com muitos raios, trovões e tempestades que parecem anunciar o fim de tudo. Não se preocupem. Nesses momentos, a dica que fica é: não se desesperem. Não se debatam, não tentem remar contra a maré. Apenas tentem flutuar, pois com certeza a tempestade passará. É o que estou tentando fazer neste exato momento.

Pronto! Estou melhor. É a velha máxima do "Escrevo, logo existo." Agora é dormir e pedir à implacável Mãe Natureza que me traga logo essa tal de maturidade, item indispensável para enfrentar as mudanças com bom humor, alegria e otimismo. Até que vai ser bom sair desse sol escaldante que tanto me queima. Uma sombrinha está me parecendo até bem agradável. Também vi um vestido verde escuro que acho cairá muito bem com a cor de meus olhos e meu novo batom. Mas deixa pra amanhã... Amanhã eu cuido disso. Hoje vou tomar um bom vinho tinto e deixar que alguma linda música faça uma massagem no meu coração e me coloque pra dormir...

Nenhum comentário:

Postar um comentário