sexta-feira, 30 de maio de 2014

Minha ronda


Minha ronda
Silvia Britto

Hoje acordei  totalmente sem foco pra vida, com vontade de cair no mundo, sair pra comprar cigarros e só voltar na segunda-feira, cheirando a pinga e perfume barato.
Há dias em que me canso de tentar ser a boa moça, aquela que tudo compreende, que tudo respeita , que tudo espera calada e resignada. Não! A vontade hoje é de faltar à academia, armar barraco, tomar café com pinga, comer no Mac um belo de um sandubão de carne vermelha, acompanhado por um pacote mega-hiper-extra-large de batatas fritas, bem trabalhadas no óleo, com Coca-Cola, e arrotar, sem pudor, na frente de quem resolver bancar o gaiato de me impedir.
Não bastando, à noite, ir acabar-me no samba, ou numa gafieira da vida, sozinha, para poder ter a tranquilidade de cair nos braços dos malandros e pés-de-valsa de plantão, tomando whisky com guaraná, deixando a ponta do band-aid, aparecer livre, no calcanhar.
Acordar, amanhã, na areia de uma praia qualquer, esperando o nascer de um sol qualquer, ainda vestida com um lindo e brega vestido de cetim verde, para combinar com os olhos verdes, já todos borrados pelo efeito das lágrimas no rímel barato.
Pelo calçadão, algum vendedor de quiosque se apiedará de mim e oferecer-me-á uma água de côco para limpar minha alma. Aceitarei, mas não deixarei de perguntar: tem pinga?
E assim seguir pelo dia, perdida pela cidade, pedindo as “vinte” de cigarros baratos, comendo torresmo pelos bares, até que a noite chegue e eu possa retocar a maquiagem, em um banheiro público, só para ser mais uma vez a bailarina Esmeralda nas Estudantinas da vida. E o band-aid? Continua lá, firme e forte, no calcanhar...
Esta não é uma carta de despedida ou um atestado de insanidade mental explícito, já que, implicitamente, não haja mais dúvidas quanto à minha anormalidade. É apenas uma vontade de fazer tudo errado para ver se as coisas começam a dar certo. O que tenho visto é que, fazendo tudo certo, a vida acaba por me dar o lugar dos conformados e dos que merecem pena, e isso eu não admito! Não quero me conformar aos “SE”s da vida, tampouco quero que sintam pena de mim.
Enfim... A academia eu já faltei. Vamos ver o que Nossa Senhora das Causas Perdidas me reserva até o final de mais um dia.

Diz que fui!

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