terça-feira, 13 de maio de 2014

Fazendo as pazes com a pequenininha


Fazendo as pazes com a pequenininha
Silvia Britto

Andava triste e com a relação comigo mesma um tanto quanto estremecida.
Primeiro por estar vivendo um amor que não sabia ser impossível. Depois pelo extremo sofrimento em que me deixei cair quando ele se foi. Coisas de mulher intensa, que se joga em todas as armadilhas que a vida oferece. Dessa vez, o voo foi mais alto do que a rede de segurança me permitia subir. Infelizmente, só descobri isso ao cair.
Até ontem, minha imagem fugia de mim no espelho. Meu corpo desconhecia meu toque. Meu pensamento engessou-se num grande poço de dor, incompreensão e tristeza. Ia escrever também que sentia muita mágoa mas desisti. Mágoa é uma palavra que nunca coube em meu coração.
Talvez o mais correto seria escrever desilusão, por achar que fui apenas a protagonista de um lindo romance de Sessão da Tarde que nunca poderia sair da tela da TV. A mudança de canal abrupta e repentina, fez-me ficar como uma heroína perdida em meio aos pixels da televisão dos meus sonhos.
Sem dúvida, esse amor desmedido que senti deixa cicatrizes eternas em meu coração. Aos poucos, a razão foi me estendendo sua mão, talvez por não conseguir mais enxergar através de tantas lágrimas, que eu vertia sem cessar, e me resgatou do enorme poço em que me encontrava.
Reencontrei primeiro o meu sorriso interno, aquele que vem da alma. Insisti bravamente em frente ao espelho até que os meus olhos reencontrassem a linda menininha que mora dentro de mim e que estava muito entristecida comigo por haver deixado de cuidar dela. Na ilusão de, finalmente, também ser cuidada por alguém, negligenciei da minha molequinha de olhos brilhantes e vivos. Felizmente ela não desistiu de mim e seus olhos novamente se uniram aos meus no espelho. E juntas sorrimos, e choramos, e sorrimos e choramos de novo, só que de alívio por termos nos reencontrado.
Eu havia caído na grande armadilha de achar que se pode ser cuidado e amado de fora para dentro. Impossível. O amor por mim mesma sempre foi o grande responsável por meu otimismo, coragem, simplicidade, honestidade e alegria de viver. Sem ilusão, volto a entender que minha principal cuidadora sou eu mesma.
Volto a entender que o amor é uma opção que duas pessoas que amam e respeitam a si mesmas fazem de serem felizes juntas. Se uma delas não conseguir encontrar sua coragem interior de entrar no barco da paixão e da felicidade a embarcação afundará ou perder-se-á, deixando a outra sem rumo, pelos mares da vida. Amar é uma linda viagem que exige muita cumplicidade, coragem, competência e, acima de tudo, muito amor próprio.
E esse foi meu grande erro. Embarquei numa canoa sem perceber o grande furo que trazia em seu interior. A canoa ainda não estava pronta e o marinheiro precipitou-se ao me roubar para ele, encantado, ele mesmo, com a grande possibilidade de ser feliz de verdade.
Felizmente, sou uma sereia e, embora muito machucada e triste pela irresponsabilidade das promessas impossíveis do adorável marujo, já consegui recuperar minha bela cauda e reencontrei minha vontade de voar pelos mares do mundo. Eu disse voar? Sim! Não conhecem sereias voadoras? Pois então apresento-me: Silvia Helena, da Ilha do Amor.
Vida de sereia não é uma vida fácil. Atraio homens maravilhosos mas que, inevitavelmente, são tragados pelo medo e afogam-se no mar da falsa felicidade, aquela que os faz viver impulsionados apenas pelo instinto de sobrevivência, sem orgasmos plenos, acomodados em seus castelos de areia, esperando somente que a onda final os venha buscar.
No peito, levarei o amor e a lembrança desse marinheiro impetuoso. No corpo, levo um pouco do seu cheiro e do seu gosto. Mas volto a cuidar de mim mesma e nunca mais negligenciarei da minha vocação à felicidade e à alegria de viver. Mesmo que siga sem uma grande paixão, amigos não me hão de faltar, e a brincadeira marota e irreverente continuará a nortear os meus dias, nessa estrada de luz que decidi seguir.
Já fiz as pazes com a minha menininha, que chorava em um canto qualquer, sentindo-se duplamente abandonada. Do marinheiro que lhe afagava os cabelos, eternamente sentirá saudades. Mas ela tem a mim para colocá-la no colo e cantar pra ela dormir. Falta agora ficar também de bem com a mulher linda e inteligente por quem, sem falsa modéstia, sou totalmente apaixonada. Mas tudo tem seu tempo e já marcamos um encontro.
Estou de volta ao meu mar. Cauda de sereia: ok! Olhos verdes d’água: ok! Sorriso de menina: ok! Rebolado que é mais que um poema: ... Bem... Esse ainda está um pouco envergonhado e tímido. Mas já escuto um samba, e me parece ser o Zeca, pedindo pra que eu deixe a vida me levar. Por isso, é hora de gritar bem alto:

- Ei, vida! Leva eu!

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