domingo, 31 de agosto de 2014

A arte de amar

A arte de amar
Silvia Britto

Amar é uma arte.
Sendo arte, o amor requer constante dedicação e entrega dos seus protagonistas. Requer vontade de fazer dar certo e precisão na hora de tomar certas atitudes e resoluções.
É um constante malabarismo, como aquele em que se mantém os pratos girando em cima de varas finas, sem que nenhum perca seu prumo e sua velocidade gire dentro de um tempo preciso e complexo.
Os pratos que fazem um grande amor dar certo, na minha modesta opinião, são a paixão, o respeito, a admiração, a cumplicidade, o desejo, a confiança e o cuidado.
Paixão é algo que dispensa qualquer comentário que eu possa ter a respeito. Quase todos já tivemos grandes paixões na vida e sabemos tratar-se de um sentimento mágico e lindo, que nos cega e rapta para terras que não conseguiremos nunca descrever com palavras. Mas é traiçoeira, a paixão. Faz com que achemos que o mundo pode terminar na loucura de um beijo, mas nunca se sustenta sozinha. Está longe de ser o bastante para se viver um grande amor.
Daí vêm o respeito e a admiração. Um está fortemente ligado ao outro. Não é possível amar-se o que não se admira. A admiração faz nascer o respeito pelo outro e a aceitação de que cada um vive do modo que lhe é mais conveniente e, às vezes, da única forma que lhe foi possível para conseguir sobreviver. Se chegamos aonde chegamos, devemos fortemente às escolhas que fizemos ao longo da vida e essas têm que ser respeitadas e entendidas.
Cumplicidade. É o que nos faz confidentes um do outro. É trocar os mesmos prazeres. É entender do que o outro precisa para sentir-se pleno e seguro. É gostar das mesmas coisas, curtir os mesmos lugares, as mesmas músicas, as mesmas brincadeiras. É a parte em que o amor se confunde com a amizade, o sentimento mais nobre do mundo. Amizade transcende família. Amizade é quando escolhemos nossa família do coração. Amigos dizem o que têm que dizer, sempre nos deixando a certeza de que estão conosco para o que der e vier. É falar duras verdades e conseguir com isso vínculos profundos e necessários.
Confiança... Ai, ai... Eis uma das grandes vilãs para que o amor não se concretize. Intimamente ligada ao ciúme. É nessa hora que os mais afoitos e inexperientes deixam o prato quebrar. É quando surgem as cobranças, os ciúmes, as acusações doloridas e cruéis, as injustiças, o medo. O ciúme é um dos grandes temperos do amor, sem dúvida. Mas é o mais perigoso de fazer tudo se perder se errarmos a mão. Há ainda os que tentam usar o ciúme como uma arma, na vã tentativa de prender o outro aos seus pés. Provocam o ciúme do outro para sentir-se poderosos, dominantes, “introcáveis”. Ledo engano. Não se fortalece o amor diminuindo a confiança do outro. Não se fortifica uma cumplicidade deixando claro ao outro que se é desejável aos olhos do mundo, que se é livre para voar por onde bem entendermos e que somos os grandes fodões do pedaço, conquistando o que queremos com um simples estalar de dedos. Apenas cria-se uma grande insegurança que é capaz de afastar, para sempre, alguém que poderia ter sido nosso grande companheiro de vida e de prazer. Ninguém gosta de sentir-se vulnerável, carregar a sensação de poder ser facilmente trocado. Essa atitude infantil não passa de uma vaidade vazia, em que se dá mais valor ao suposto “sucesso” que fazemos aos olhos de quem não nos traz nada em troca, em detrimento daquele que nos entrega o coração. Provocar o ciúme do outro é maldade pura, é vaidade vazia, é, na verdade, dar mais importância a si mesmo do que ao ser amado.
Desejo, talvez, seja um dos pratos mais fáceis de manter no ar. Perde apenas para a rotina e para o descaso. Quando há a tal da química entre os corpos, todo toque é sempre recebido como se fosse a primeira vez. Todo beijo vai buscar lá no fundo o arrepio que leva ao gozo. E quanto mais tempo passa, se os outros pratos seguem em harmonia, mais o desejo se fortalece, por conhecermos os caminhos um do outro, por brincarmos de descobrir rotas alternativas que cheguem ao clímax de forma nova e inesperada. E não venham me dizer que o tempo acaba com isso! Não acaba! Química é química! Rola ou não rola! O que se confunde, fazendo com que quase sempre coloquemos a culpa na falta de desejo, é a falta de cumplicidade, é a hora em que nos permitimos sermos solitários a dois. Se você não mais vê o outro, como sentir desejo? Se o caminho bifurca-se e cada um segue por uma estrada, como haver a mágica do toque? O arrepio na nuca?
Confiar que tudo isso é possível, que o outro não nos quer diminuir para dominar nossa essência, ter a certeza de que não nos quer prender fazendo com que nosso coração aperte ao nos criar um medo de perdê-lo com facilidade é, sem dúvida o prato base nessa equação de entrega e prazer. Ninguém consegue caminhar feliz se achar que o chão lhe pode faltar à primeira curva do caminho. E é aí que se mede a intensidade do amor do outro. Aí que se vê o quanto ele foi capaz de doar-se ao ponto de nos deixarmos guiar por suas mãos de olhos fechados. Não consigo entregar-me completamente se não achar que posso ser guiada por caminhos que não me farão bater com a cara em árvores e enfiar o pé em buracos. Quero a certeza de que posso fechar os olhos e ser guiada, por braços firmes, num eterno balé aquático na piscina da vida. Quero a tranquilidade de poder dormir com a cabeça no peito de alguém e sabê-lo ali, pela manhã. Quero a serenidade de um sono tranquilo para poder me jogar na montanha-russa da vida, quando acordada. Quero a certeza de ter um refúgio para onde fugir quando a vida tentar me engolir. Quero a plenitude de um abraço.
E chegamos ao último prato, o cuidado mútuo. É cuidar para que esses pratos mantenham-se sempre em seu caótico equilíbrio. É ficar atento às necessidades do outro. É tentar preencher, da melhor maneira possível, as perdas inevitáveis da vida. É ter pelo outro uma grande ternura e carinho e fazer de tudo para que sua passagem por essa curta vida, seja repleta de momentos intensos, na certeza de que nunca mais estará sozinho.
Muitos podem estar agora me lendo e pensando, que mulher louca, fora da realidade, utópica, sem-noção. A esses, apenas respondo que nunca desistirei de conquistar esse amor em minha vida. Afinal, eu sei que sou capaz, encontrada a pessoa certa, de equilibrar todos esses pratos sem o menor esforço, como se fosse minha própria natureza e a razão de eu existir. E com muito prazer e alegria! Se eu sei que existo (será?) e que disso sou capaz, não é possível que Noé não tenha trazido alguém da minha espécie em sua arca. Se eu nunca conseguir ter cem por cento dessa certeza ao lado de alguém, pelo menos a vida já terá valido a pena, pela procura ou por, pelo menos, noventa por cento, se eu for merecedora. Afinal, dar cem por cento e receber noventa, é praticamente um empate técnico.

E vamos aos pratos... Eles não podem cair.


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