terça-feira, 11 de março de 2014

A hora certa do "Basta!"


A hora certa do "Basta!"
Silvia Britto

Certa feita, tinha lá meus oito aninhos de idade, estava eu, sentada em sala de aula, como sempre prestando muita atenção e caprichando na caligrafia, quando fui acometida de uma enorme vontade de fazer xixi.
Infelizmente, foi naquele momento em que a mesma vontade parece tomar conta de toda a turma, qual bocejo, que basta olhar para dar vontade de fazer o mesmo. Os amiguinhos faziam fila com seus braços levantados esperando a liberação da professora. E eu lá, pacientemente esperando a minha vez, por sinal, uma das últimas a ter levantado o braço, com vergonha de interromper a aula.
Tamanha foi a demanda aquele dia, que a professora já estava enfurecida com tanta evasão à sua tabuada. Quando chegou bem na minha vez, que já estava quase não suportando mais a espera, com as pernas cruzadas, deu a louca na mestra que, possuída, disse:

- BASTA! Daqui não sai mais ninguém!

Obedientemente, recolhi meu braço e começou um dos piores momentos da minha vida.
Devia ainda faltar uma boa hora para o fim da aula e eu ali, lutando para conseguir segurar o xixi. Não consegui. Devagarzinho, fui soltando o líquido quente ali mesmo na carteira. Era um misto de prazer e medo, o que eu sentia.
Quando terminou a aula, veio a imensa vergonha de levantar e todos perceberem a saia azul plissada pingando de xixi, a escorrer-me pelas pernas. Esperei pacientemente todos saírem da sala e levantei-me, colocando a bolsa com o material escolar no bumbum para tentar esconder minha vergonha.
E assim fui, pela rua, percorrendo a boa meia hora que me levaria à segurança do lar, sozinha, como sempre fiz. Ao chegar à minha casa, desabei no choro e contei o acontecido à minha mãe que tentava, em vão, consolar-me.
No dia seguinte, como recusava-me a voltar à escola, mamãe resolveu acompanhar-me, em um dos poucos momentos em que precisou fazê-lo. Fomos diretamente à sala da Diretora, que chamou a professora que, envergonhadamente, desculpou-se pela falta de sensibilidade e liberou-me o pedido para sair de sala quantas vezes eu precisasse.
Tamanho foi o trauma da saia molhada que de quinze em quinze minutos eu pedia para ir ao banheiro. E a mestra, pacientemente, cumpria sua promessa, permitindo-me a saída. Até que, passados alguns dias, a saga grupal começou outra vez. Todos pareciam haver bebido litros de água no recreio e pedir para sair de sala.
Qual não foi a minha surpresa quando, confiantemente, levantei a mão e ouvi:

- BASTA! Daqui não sai mais ninguém! Nem você, Silvia Helena, que isso já está virando doença!

Pois esse foi um dos melhores "bastas" que ganhei na vida, se querem saber. Traumatizada pelo ocorrido, estava entrando numa estrada sem fim de perda do meu autocontrole. Essa foi uma lição que carrego para toda a vida e vira e mexe preciso aplicá-la. Há momentos em que, por haver errado, permito que abusem da minha boa vontade em reparar o erro e permito que me tratem com crueldade, agressividade e até que ironizem meu jeito de ser. E é aí que lembro da minha professorinha lá do bairro da Glória, Rio de Janeiro, e tomo coragem para mandar um alto e sonoro BASTA!

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