segunda-feira, 17 de março de 2014

Bom voo, parapa!


Bom voo, parapa!
Silvia Britto

Voar, desde sempre, tem sido um sonho incansável dos homens. Voar com asas, com motores, com a imaginação. Confesso que sempre voei. Sempre dei asas à minha imaginação e a minha coragem de pular de cabeça em situações, a tantos questionáveis na sua intensidade, já foi taxada até de leviana. Mas era um voo cego, com asas tortas e sem rumo ou prumo. Confesso que não estava preparada para a inundação de paz e beleza que um voo real proporcinar-me-ia.
Tenho vivido um turbilhão de emoções que já julgava mortas ou arquivadas dentro do baú de riquezas que trago comigo. Muitos gritos, muito choro, muitos gozos, muitas lágrimas, hematomas e sorrisos. Confesso ter pensado em desistir e recolher-me ao meu reles papel de mulher de meia idade. Mas falhei em tentar resguardar-me de mim mesma e da minha insanidade espiritual, ainda bem.
Vinha dando voos rasos e cegos em busca da tal felicidade, mesmo sabendo que ela não é palpável e muito menos permanente. Sou campeã em "esborrachamentos agudos". Mas hoje percebo que nada disso foi em vão. Tudo que vivi, tudo que chorei, não passava de treinamento para conseguir segurar com força as oportunidades que a vida ainda me traria de ser feliz e para conseguir compreender e reconhecer o sentimento que me invadiria  e tirar-me-ia, de vez, os pés do chão.
Nunca poderia negar que já fui muito feliz nesta vida. Apaixonei-me menina, cresci e amadureci um amor que gerou um fruto lindo em meu ventre. Julgava-me a mais feliz das mulheres naquele amor jovem e petulante. Mas acabou. E com esse fim, também me veio a sensação de que já havia esgotado minha cota de felicidade na vida. Tentei aquietar-me mas a alma não pode ser domada.
Um dia já fui chamada de "a mais bela Fernão Capelo Gaivota" de toda uma vida. Fernão Capelo era uma gaivota que não contentava-se em apenas sobreviver. Queria voar alto, dar mergulhos vertiginosos e desviar a rota bem junto ao solo, apenas para subir de novo e fazer tudo mais uma vez. Enquanto as outras gaivotas enchiam o bucho, com peixes de fácil alcance, Fernão enchia a alma de vida.
Algo também me dizia que eu só seria feliz se deixasse a vida de voos rasos para ter uma nova e vertiginosa visão da vida, se tivesse peito para alçar voos muito além do que minha mente poderia alcançar. Fui além do meu limite. Felizmente, a vida me ama, disso agora tenho certeza. Encontrei um outro pássaro, prateado, tão doido quanto eu, que me pegou pela mão e me deu o céu, as flores e as ondas do mar.
Tenho certeza de que eu jamais seria feliz tendo amado apenas uma vez. E foi agora, na maturidade da minha meia idade, que redescobri o amor na sua mais pura essência. O amor que é porque é. O amor que não precisaria acontecer mas acontece, simplesmente porque sempre o procurei e o via constantemente em meus sonhos.
E assim segue a vida. Sou mais uma vez uma recém-nascida, uma mulher menina, uma algoz prisioneira, uma louca desvairada que redescobriu-se amante e amada.
Deixei-me envolver nas asas do lindo pássaro prateado que me levou para cima do penhasco e de lá me joguei sem sentir um pingo de medo, pois sabia que ele estaria pronto, esperando-me em terra firme, só para me pegar no colo e nunca mais deixar que eu parasse de voar. Ando no chão firmemente ao seu lado, mas com a certeza de que, no momento em que quisermos, sairemos voando até o fim da estrada... E mais um pouco, além da última curva.
Por isso, ao correr pela rampa em direção ao céu azul, olhei para trás e gritei:

- Eu te amo, Ronaldo! Bom voo, parapa!

E o parapente decolou...

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