A Urca se despede de mim
Silvia Britto
Estou com o coração apertado.
Em poucos dias estarei deixando a linda Urca, lugar a que chamei de lar pelos últimos dez anos de minha vida. Infelizmente, não mais fui capaz de manter a vida no Paraíso.
Resolvi sair para um passeio de despedida. A tarde estava nublada, para combinar com o estado da minha alma.
Passei primeiro pela pracinha, onde por inúmeras vezes vi meu bebê brincar e onde comemoramos seu sétimo aniversário. Foi um luxo, aquela festa. Chamou-se "Pintando o sete na Urca" e durou 24 horas! Com direito a jantar, dormida, café e almoço. Obviamente, também incluído um passeio à pracinha querida.
De lá, segui até a Praia do Forte, frequentada apenas por aqueles que conseguiram o famoso passe, por conhecer algum militar. E aí vocês me perguntam: e você conhece militares? Não! Mas caí nas graças do Sargento Cândido, que me abonou a entrada e logo em seguida soube que também haveria uma filha e um marido. Boa praça, o Sargento.
Ao lado, a mureta do Bar Urca, pouco ligando se trata-se de uma segunda ou de uma sexta-feira. Sempre lotada de gente de todas as tribos, degustando seus pastéis e a cerveja gelada de um dos bares mais populares do Rio de Janeiro.
Mais à frente, o Garota da Urca. Ali passei inúmeras madrugadas da vida, tomando chope para tentar aquecer meu coração solitário em algumas noites tristes de verão. Andando um pouco mais, passando da antiga Tupi e do famoso Cassino,o Belmonte, bar recente na área mas nem por isso menos frequentado.
Dei a volta pela rua de dentro, Marechal Cantuária, e retornei pela orla. Passei da igrejinha de Nossa Senhora do Brasil e, automaticamente, comecei a olhar para cima, na esperança vã de ver o meu rei, Roberto Carlos, na janela de sua cobertura. Em dez anos de Urca, nunca tive o prazer de cruzar com o olhar do rei. Coisa rara para os moradores daqui. Mas essa sou eu. Uma pessoa rara e petulante.
Só que, dessa vez, a Urca também quis despedir-se de mim. Ao olhar para cima, lá estava ele, o rei Bebeto em pessoa, na sacada de sua varanda! Parei, encantada. Fiquei ali alguns segundos degustando aquele momento. De repente, o rei me encara. Sem saber o que fazer, ergui o braço e esbocei um trêmulo aceno. Ele acenou de volta e sorriu. Quase morri, sem querer respirar para não perder o momento. Mas a força da vida me salvou mais uma vez e me fez seguir adiante, com o coração agora completo de tudo que eu poderia desejar da Urca.
Quase chegando de volta a minha casa, começou a chuva prometida. E foi o que faltava para completar o meu passeio de despedida. A chuva uniu-se às minhas lágrimas, como se a limpá-las de meu rosto. Eu não estava de vestido branco, era azul, mas mesmo assim, lembrei-me da música do Jorge, quando ele ainda era só Ben, e fui para o meio da rua, a girar, que maravilha, a girar!
Segui cantando o resto do caminho com a certeza que me faltava: vou sair da Urca, mas a Urca nunca sairá de mim. E bola pra frente que a vida não para e o futuro pede passagem!