Espinha quebrada
Silvia Britto
E mais uma
vez a vida me pôs de castigo. Se uma vez quebrou meu sorriso para que eu
aprendesse a sorrir, desta feita, quebrou minha coluna para que eu aprenda a
manter a minha postura, sem me curvar ao que não me parece lógico.
Até aqui,
minha vida tem sido um eterno cuidar, facilitar, ajudar, corresponder, arrumar.
Sempre declinei do meu direito de também ter fraquezas e desejos. Carregava,
sem parar para pensar, o peso do mundo nas costas. De tanto me curvar, está aí
o resultado: minha coluna quebrou!
Passei quase
uma semana de cama, quase imóvel, de castigo, obrigada a pensar e refletir
sobre o meu comportamento. Descobri que há muita coisa certa e corajosa em
minhas atitudes. Entretanto, fui forçada a admitir que há muitos equívocos na
visão que tenho da vida.
Equívoco
número um, é esperar que me cuidem da mesma maneira com que me dedico a
cuidar de quem de mim precisar. Nem todo mundo é um “cuidador universal” como
eu. Não tenho limites para a minha entrega. Choro, esperneio, grito e tenho uma
coragem até imbecil de demonstrar minhas emoções e frustrações. Exponho-me sem
a menor preocupação com estratégias de autoproteção.
E com isso,
vou deixando que pesos enormes acumulem-se sobre o meu lombo. Às vezes por
ingenuidade, às vezes por medo de magoar aos que me cercam. Medo esse, falso,
perverso, que prejudica apenas a mim mesma, pois os outros, nem percebem a
suposta proteção que lhes dediquei.
Lamento por
não ter sido capaz de assumir meus desejos de forma mais rápida e lúcida. Vivia
perdida, à deriva, em um mar que insistia em chamar de injustiça. Nada mais
somos do que o reflexo das nossas escolhas. Tudo que acontece em nossa estrada,
de certa forma, é uma escolha nossa. Portanto, não há que se falar em
injustiça.
Da minha
estrada, não tenho dúvidas. Amar é assumir a liberdade de ser feliz. Liberdade
essa, que chega quando perdemos a necessidade de querer impressionar o mundo
com nossa força ou flexibilidade diante dos problemas que parecem fazer fila, esperando
o momento certo de furar os nossos sinais internos de proteção.
Ainda tenho
muito que percorrer até sentir-me plena pois, infelizmente, isso não depende só
de mim. Desconfio até que nunca o serei. O foco, mais uma vez cai no velho
clichê de viver um dia de cada vez.
Se essa é a
única solução que parece ser lógica, no momento, é hora de despir-me das
expectativas que crio em torno do que é ser feliz. É hora de tirar o manto de
mulher forte, que pode receber o peso do mundo nas costas. É hora de pedir água
e um tempo para pensar e reformular o conceito de felicidade. É sabê-la
infinita enquanto dure mas ter plena convicção de que é passível de fim. Novamente, é viver o tal dia de cada vez.
Quem sabe
assim, mais leve, minha coluna consiga seguir, ereta, um pouco mais, por esta
estrada adentro? Vou seguir o conselho do sábio confrade Botafoguense, o Zeca, deixando
a vida me levar, sem nunca perder o meu já famoso rebolado, aquele, que é mais que
um poema.
Preciso ir às
compras: um pouco mais de espinha, por favor!
Reformular e
recomeçar é preciso!
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