A fada invisível
Silvia Britto
Ela era
apenas uma mulher como todas as outras. Dessas que tem uma família, filhos,
netos, cachorro no quintal, papagaio na varanda. Apenas não tinha papagaio.
Tampouco netos. A filha há muito já a abandonara por força do destino e
caprichos da vida e a cadela, cega num canto, quase não mais se fazia notar.
Fora uma
mulher bonita, ainda se podia notar pelo brilho dos olhos que pareciam teimar
em não perder o encanto quando, esporadicamente, a encontravam no espelho. Não
era uma mulher material. Não guardara consigo as joias, sapatos ou roupas de
grife que tivera a oportunidade de um dia usar. Despiu-se de tudo, quando optou
por ser uma mulher livre e aberta para o amor. Estranhamente, sentia-se melhor
assim, nua de objetos que apenas pesavam na sua busca pela real felicidade.
Porém, o
destino não foi capaz de dar-lhe a felicidade plena pela qual sempre lutara. Em
alguns recôncavos do seu caminho, ainda sentia-se incompleta, inapropriada e até
mesmo ensaiava sentimentos retorcidos de mágoa pelas injustiças que a vida lhe
impunha.
Costumava
levar sua vida através de sua janela, compartilhando da felicidade barata e
genuína de vizinhos e transeuntes costumeiros, a quem chamava, internamente, de
amigos. Vibrou quando o namoro do portão em frente resultou em uma linda
aliança nos dedos dos jovens suspirantes. Chorou de emoção quando o filho da
balconista do armarinho formou-se doutor. Comeu com prazer o pedaço de bolo do
aniversário de 15 anos de Aninha, a menina especial, que morava no fim da rua.
Hoje
acordara um pouco mais emocionada que de costume. A família que morava ao pé da
ladeira e que sempre a hostilizara por confundir sua vida livre e corajosa com,
talvez, algum tipo de prostituição vulgar e ameaçadora aos bons e hipócritas
velhos costumes, estava em festa. Havia uma movimentação natalina, misturada
aos usuais sons de brigas e desentendimentos que de lá partiam e refletiam a
vida dos que teimam em manter-se dependentes de velhos padrões de comportamento
em que cada um é por si e Deus, por todos.
Apurara a
audição e podia ouvir, nitidamente, o choro de uma nova criança, abençoando
aquele lar e trazendo mais vida e continuidade àquela família que, apesar dos
preconceitos inerentes ao que lhes é inesperado, também sorria e chorava de
emoção. Era um choro de menina. Uma princesa chegava, trazendo sua contribuição
de luz, orgulho e alegria para aquele lar.
Desta feita,
ela nada podia fazer a não ser observar, invisível, de longe, a emoção que
emanava da casa. Sentiu-se estranhamente feliz e também orgulhosa, como se
fizesse parte daquele núcleo fechado à sua existência. Abriu os olhos do seu
coração generoso e acolhedor e pode ver, com eles, as feições da linda vida que
despontava. E sentiu-se madrinha. E sentiu-se fada.
E, como
todas as fadas madrinhas, também fez suas profecias, embora de longe, à gentil
princesa:
“Tu serás
bela, serás graciosa, terás o encanto puro da rosa.
Eu profetizo nesse momento,
na tua chegada, grande talento.
E te desejo, com meu condão, que tenhas sempre
bom coração”.
Que Deus a
abençoe, linda criança.
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