sexta-feira, 13 de novembro de 2015

A fada invisível


A fada invisível
Silvia Britto

Ela era apenas uma mulher como todas as outras. Dessas que tem uma família, filhos, netos, cachorro no quintal, papagaio na varanda. Apenas não tinha papagaio. Tampouco netos. A filha há muito já a abandonara por força do destino e caprichos da vida e a cadela, cega num canto, quase não mais se fazia notar.
Fora uma mulher bonita, ainda se podia notar pelo brilho dos olhos que pareciam teimar em não perder o encanto quando, esporadicamente, a encontravam no espelho. Não era uma mulher material. Não guardara consigo as joias, sapatos ou roupas de grife que tivera a oportunidade de um dia usar. Despiu-se de tudo, quando optou por ser uma mulher livre e aberta para o amor. Estranhamente, sentia-se melhor assim, nua de objetos que apenas pesavam na sua busca pela real felicidade.
Porém, o destino não foi capaz de dar-lhe a felicidade plena pela qual sempre lutara. Em alguns recôncavos do seu caminho, ainda sentia-se incompleta, inapropriada e até mesmo ensaiava sentimentos retorcidos de mágoa pelas injustiças que a vida lhe impunha.
Costumava levar sua vida através de sua janela, compartilhando da felicidade barata e genuína de vizinhos e transeuntes costumeiros, a quem chamava, internamente, de amigos. Vibrou quando o namoro do portão em frente resultou em uma linda aliança nos dedos dos jovens suspirantes. Chorou de emoção quando o filho da balconista do armarinho formou-se doutor. Comeu com prazer o pedaço de bolo do aniversário de 15 anos de Aninha, a menina especial, que morava no fim da rua.
Hoje acordara um pouco mais emocionada que de costume. A família que morava ao pé da ladeira e que sempre a hostilizara por confundir sua vida livre e corajosa com, talvez, algum tipo de prostituição vulgar e ameaçadora aos bons e hipócritas velhos costumes, estava em festa. Havia uma movimentação natalina, misturada aos usuais sons de brigas e desentendimentos que de lá partiam e refletiam a vida dos que teimam em manter-se dependentes de velhos padrões de comportamento em que cada um é por si e Deus, por todos.
Apurara a audição e podia ouvir, nitidamente, o choro de uma nova criança, abençoando aquele lar e trazendo mais vida e continuidade àquela família que, apesar dos preconceitos inerentes ao que lhes é inesperado, também sorria e chorava de emoção. Era um choro de menina. Uma princesa chegava, trazendo sua contribuição de luz, orgulho e alegria para aquele lar.
Desta feita, ela nada podia fazer a não ser observar, invisível, de longe, a emoção que emanava da casa. Sentiu-se estranhamente feliz e também orgulhosa, como se fizesse parte daquele núcleo fechado à sua existência. Abriu os olhos do seu coração generoso e acolhedor e pode ver, com eles, as feições da linda vida que despontava. E sentiu-se madrinha. E sentiu-se fada.
E, como todas as fadas madrinhas, também fez suas profecias, embora de longe, à gentil princesa:

“Tu serás bela, serás graciosa, terás o encanto puro da rosa. 
Eu profetizo nesse momento, na tua chegada, grande talento. 
E te desejo, com meu condão, que tenhas sempre bom coração”.


Que Deus a abençoe, linda criança.

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