quarta-feira, 12 de novembro de 2014

No Maranhão, babaçu abunda


No Maranhão, babaçu abunda
Silvia Britto

Abunda.
Mas não é só o babaçu que abunda.
Abundam carinhos que transpiram família.
Abundam lembranças que choram saudades.
Nada como sentir, novamente, o carinho de pai e mãe através de seus irmãos, que carregam o mesmo sorriso, o mesmo calor, o mesmo tempero. Como o famoso vatapá da Lelete, com gosto de vó Dedé. Lelete, tia querida, que ouso dizer, herdou a missão de ser minha mãe do coração, coisa que ela faz de forma generosa e inteira, com carinho e cobranças nas horas certas, coisa que só as mães sabem fazer. Levanta-se cedo, vai ao mercado, cozinha os caranguejos ainda vivos, zelando por seu frescor. Abraça, com muito orgulho, seus netos e sempre sobra um pedaço desse carinho para quem tiver a honra de por ela ser encantado. E toma-lhe cerveja, que os Britto não podem parar!
Lembranças intensas brotam-me pelos olhos, ao deparar-me, mais uma vez, com a casa em que nasci, na querida São Pantaleão, defronte à casa da Dona Glória, com seus filhos amados, que dividiam comigo a deliciosa tarefa de brincar pelas calçadas da rua. Como num sonho, nossas vozes infantis me vêm ao coração e vejo-me gargalhando, pulando elástico com as meninas Lago, admirando a beleza idêntica das lindas gêmeas, Luísa e Heloísa, da casa vizinha, trocando beijos roubados com o Beto, soltando papagaio com Pedro, Paulo e Raimundinho pelos telhados das casas, enquanto vovó Laíde preparava o mais gostoso arroz de toucinho que já comi, empatado apenas com o do Tio Moza, que provou haver herdado seus dotes culinários.
A casa agora, abriga meu tio, Mestre Patinho, uma das figuras mais respeitadas em São Luís, pela sua arte de rua, na capoeira e também pelo seu jeito despojado de valores que nos são ditos como "normais". Patinho é xamã. Para quem não sabe, o xamanismo é uma das mais antigas práticas espirituais, médicas e filosóficas da humanidade. Essa honra lhe foi conferida durante sua convivência com índios no alto Xingu. Patinho não anda. Ele flutua pela vida com valores próprios e despojados de materialidade. É amado, respeitado e admirado por seus filhos e netos de uma forma que faz doer o coração. Agora, também admirado por mim, que consego enxergá-lo com os olhos de uma mulher aberta às incoerências e falta de nexo da vida.
E o passeio pelo tempo e pelas mãos que ajudaram a moldar a minha essência veio fortificar o meu sentimento de guerreira, de moleca, de lunática, eterna criança e nordestina filha da terra e do mar da minha querida Ilha do Amor. Que apelido sugestivo, não acham? Ilha do Amor! Voltei revigorada pela certeza de pertencer. Sou bandida, sou solta na vida, mas tenho ainda meu porto seguro, com suas lindas histórias e passagens de vida de um tempo que não volta mais, mas nunca  morrerá.
Peço a benção aos meus queridos Britto, Lelete, Kêta e Catiba, meu padrinho lindo. Benção aos Ramos. Sua benção Mestre Patinho. Bença Moza, meu eterno Gato Louro, gaiato como ele só e o maior contador de casos de todos os tempos!
Volto ao mundo presente com a certeza de que essa ideia de passado e futuro são apenas miragens que a mente cria para não viver em saudade pelo que passou e ansiedade pelo que ainda virá. Na verdade, o passado é tão presente quanto o futuro e é dele que ganhamos a força e a energia necessárias para continuar agregando pessoas queridas e seguir construindo nosso futuro que, um dia, também deixará lembranças.
Salve São Luis do Maranhão!

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