terça-feira, 28 de outubro de 2014

Estranhas manias


Estranhas manias
Silvia Britto

Ao longo da vida tive a oportunidade de fazer grandes e inesquecíveis amizades.

Pessoas diferentes, de diversos meios e culturas, que tive a sorte e o prazer de encontrar pela estrada afora. Interessante perceber as peculiaridades e semelhanças de cada uma delas. Como bem diz o nosso compositor baiano, filho de D Canô, Caetano, "de perto ninguém é normal". É com imensa satisfação que compartilho dessa opinião. A vida é um mosaico colorido de loucos, tentando viver uma vida normal. Uma verdadeira panaceia!

Pensando sobre isso, os vários personagens que passaram e ainda passeiam pela minha vida, começaram a surgir na minha lembrança. Surgiram como pipocas de vários sabores. Doces, salgadas, apimentadas, molhadas, risonhas, barulhentas... Um verdadeiro espetáculo.

Lembro-me de uma amiga de prédio (é, na cidade grande tem dessas coisas: amigos de playground!) que adorava dar beijo na boca. Toda vez que ficava sem namorado, tinha a estranha mania de fechar os olhos e beijar seu antebraço. Isso parecia satisfazer-lhe em momentos de vacas magras de parceiros.

Outra, já um pouco mais velha, tinha mania de perseguição. Para me contar um segredo era um desespero! Primeiro tínhamos de nos certificar de que não havia mais ninguém em casa. Em seguida, íamos para o seu quarto onde nos trancávamos, não sem antes verificar se havia algum inimigo escondido nos armários. Por último, checava se o telefone estava bem colocado no gancho, evitando assim que o espião nos ouvisse do outro lado da linha. Que tortura, para alguém curioso como eu, ter que passar por toda essa revista antiterrorista antes de saber o famigerado segredo! E nem sempre valia a pena...

Tive um namorado que adorava sanduiche de pão com melancia! Também bebia suco de laranja com leite. E não é que era bem interessante? Algo tipo: leite de laranja!

Também havia outro muito doido que não conseguia esperar por elevadores. Se quando chegasse, o elevador estivesse em outro andar, pronto! Era o suficiente para que ganhasse as escadas. E lá ia eu atrás, fiel e solidária companheira, bufando, escada acima. Era a glória total quando havia um elevador nos esperando. Cheguei a tentar imaginar uma engenhoca que acionasse o elevador à distância, para poupar minhas pernas das eternas escaladas. Ainda bem que ele não via problemas em esperar os ônibus. Esperava calmamente pela condução. Até mais bem humorado do que eu.

Já na adolescência, conheci uma menina muito bacana que não conseguia sair de casa sem batom. Muitas vezes tivemos que retornar do meio do caminho  à sua casa para resgatar seu "brilho", esquecido em outra bolsa. No caminho de volta, ia esclarecendo-me as óbvias razões para tal maluquice: sentia-se nua sem seu batom. Mas o mais importante era: e se por acaso encontrasse seu príncipe encantado pela rua? Como beijá-lo com os lábios insossos e desbotados? Vai quê!!

Mais uma maluquete. Essa, todas as vezes que tropeçava por alguma razão, batia com o pé direito três vezes no chão enquanto repetia: "não dou, não dou, não dou; é meu, é meu, é meu!" Dizia que o tropeção era, obviamente, um sinal de que alguém estava tentando tirar-lhe o namorado. Mas que nem adiantava tentarem, pois ela não daria!

Recentemente, mais um maluco desses cruzou meu caminho. Esse tem na cabeça um plano de fazer um aparelho que eletrocute os garçons quando estes demorarem a dar-lhe atenção. Come empadas de "galo". Tem raiva de bifurcações. Esconde-se no Facebook! Não gosta de balanças. Equilíbrio lhe parece uma coisa totalmente sem graça e sem tempero. Faz pinta de antipático. Mas por dentro é um moleque brincalhão. Esquisiiiiito! Mas adorável.

E eu, abençoada pelo destino e camaleoa da vida, sigo carregando um pedacinho de cada um deles dentro de mim. Resultado: 

Já estou completamente apaixonada pelo meu antebraço de tanto que o beijo; 
Só conto segredos após verificar se o celular está desligado; 
Adoro suco de laranja com leite; 
O batom é a primeira coisa que checo antes de sair de casa; 
Sempre que tropeço, digo as palavrinhas mágicas com toda minha energia. Não vou entregar meu namorado assim, de bandeja... Mesmo que tal criatura não exista! Ele não existe, mas que fique bem claro que ele é MEU!
Não posso mais deparar-me com bifurcações sem cair na gargalhada.
Eletrocuto todos os garçons lerdos do planeta. E adoro empada de galo!
  
Quanto ao elevador... Ah! Esse não!!! Já paguei o meu preço no passado. 
Já subi muita escada por aí. Basta a lembrança daquele tempo bom em que parávamos entre os andares para tomar fôlego e para um beijo gostoso.
Chega... Minhas pernas agradecem a compreensão!

E que venham mais malucos adoráveis para povoar os meus dias.
Agradeço a todos eles por ajudarem a construir esta colcha de retalhos colorida e sem noção chamada eu.

O que escrevo pode não ter cabeça. Nem pé. Mas tem umbigo!

E para terminar, confesso uma das minhas próprias maluquices. Mas, sshhhhh! Não espalhem por aí! Sempre tive a estranha mania de achar que todos os autores que leio são meus amigos de verdade. É quase como se estivessem conversando comigo através de seus livros. Por isso, termino a minha “conversa” com vocês, pegando emprestado um pensamento de um grande amigo meu, o Millôr. Ele disse que não se importaria.

“A única diferença entre a loucura e a saúde mental é que a primeira é muito mais comum.”

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