quarta-feira, 2 de julho de 2014

Na madrugada

Na madrugada
Silvia Britto

É madrugada.
Acorda banhada em suor na cama vazia.
São os tais calores que anunciam ao corpo que é hora de sossegar.
Mas seu corpo é surdo aos sinais da idade.
O suor do corpo confunde-se com a umidade do desejo.
O corpo grita e se agita diante do desespero de encontrar-se só sem só estar.
Assim como os tais calores tentam sobrepor-se à sua umidade de desejo,
a solidão tenta ganhar forças e fincar bandeira em sua cama.
Mas ela não consegue resignar-se a um, tampouco ao outro.
Desafia a solidão.
Começa a tocar-se sem pudor e sem censura.
Provoca os calores.
Aumenta o ritmo do corpo com a pressa dos amantes solitários.
Provoca o suor.
Num ritmo quase frenético, contrastando com a quietude da madrugada,
explode em gozo, paixão e saudade.
Aos poucos, sua respiração volta ao ritmo normal.
Inebriada pela sensação mágica que o gozo produz em sua pele,
volta a buscar o conforto no peito imaginário de seu travesseiro.
Acomoda o corpo, extenuado pelo prazer, à cama vazia.
Dorme para acordar novamente em seu sonho, onde não mais está só.
Onde não há calor, nem pressa nem saudade. Apenas espera.
Plagiando Shakespeare, o escritor dos amantes desesperados,
duvida até da verdade, mas confia no seu amor.
Sai de mãos dadas com seu desejo, de trança e vestido de chita,
menina-mulher, simples, como deve ser a vida.
Ainda há tempo para brincar antes que o sol traga o dia e a faça,
mais uma vez, acordar para mais um dia de impotente resignação.


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