sexta-feira, 18 de julho de 2014

A tarde convida


A tarde convida
Silvia Britto

A tarde convida...
Vou sair por aí. Cigana, sem rumo e sem prumo.
Não levo nada comigo que eu não possa carregar.
Na verdade, as mãos vão livres.
Tudo de que eu preciso para ir, seja aonde for, não ocupa espaço.
Tudo de que preciso cabe no espaço de um sonho.
Não preciso de malas imensas ou sacolas para carregar roupas que não me fazem falta.
Uma pequena valise com lápis, papel e borracha já me bastam para ir escrevendo a minha história.
De roupa, apenas uma saia rodada e uma camisa branca, embora nem isso gostaria de portar.
Prefiro andar pelada. E descalça. E despenteada.
Minhas jóias são apenas as esmeraldas que levo no olhar e o rubi que trago nos lábios.
Sou sereia. Sou cigana. Sou, da vida, eterna viajante.
Odeio o acúmulo de coisas supérfluas, consumismo feroz.
Enganam-se os que acham que encontrarão a felicidade em roupas de marca e sacolas de shopping.
Felicidade não se compra e não pode ser trocada por outro produto de preço semelhante.
Sempre que sou obrigada a ir a um desses templos de consumo, tenho a sensação de que o mundo está acabando, tal a compulsão em carregar sacolas que percebo nos rostos mal identificados das pessoas.
Todos perdem a sua individualidade e suas expressões tornam-se estéreis de vida.
Procuro passar o menor tempo possível nesses cemitérios de zumbis consumistas.
Eu prefiro uma cerveja ao por do sol na mureta da Urca, à beira do mar.
Na verdade, garçom, desce uma bem gelada aí!
Não! Desce duas! E alguns bolinhos de bacalhau!
E seja rápido que o mundo não está dentro de lojas com luzes artificiais.
As luzes do mundo apagam e acendem à nossa revelia, assim como a esperança em nossos corações.
O sol tem pressa de ir encontrar a Lua e eu preciso muito testemunhar esse encontro.
Tomem seus lugares e olhem para o céu...
O espetáculo já vai começar!

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