quinta-feira, 17 de abril de 2014

Vergonha

Vergonha
Silvia Britto

Já estou com vergonha de tanto dizer que fracassei no amor. Vergonha de falar a todos da minha alegria para depois cair num poço profundo de tristeza e solidão. Sempre achei que a vida era injusta comigo nesse quesito, mas estou começando a achar que sou eu a injusta com ela. Devo ser eu que estou tratando tão mal da vida que ela se ressente comigo e não cansa de me fazer doer.
Sempre fiz sozinha a minha mala e as escolhas do que levaria comigo. Isso não é uma tarefa fácil. Muitas vezes acertei  e algumas vezes errei. Mas os erros, nessa estrada da vida, têm um peso muito maior do que os acertos. Cometi  erros que agora me parecem irreparáveis. Erros pelos quais me cobrarei pelo resto da minha vida, quando se trata de amor verdadeiro.
Por ter errado tanto comigo mesma, agora só provoco  um sentimento de que sou descartável aos que de mim se aproximam. Amam-me com descaso, com sentimentos de que podem de mim fazer o que lhes aprouver que não lhes farei a mínima retaliação. Amam-me com mentiras, com volúpia, com desconfianças, com acusações injustas. Minha alegria é lida como exibição. Minha entrega é vista como deficiente. Minha presença é tida como inapropriada, vulgar e exibicionista. Meu amor é tido como trampolim para que possam voar mais alto, enquanto apoiam-se na minha suposta força.
Achei , por alguns poucos e felizes dias, que nunca mais voltaria aqui para falar de tristeza. Julguei  ter  encontrado o caminho para a liberdade do meu coração. Mas qual! Fui condenada à prisão perpétua pelo meu jeito “cabra-cega” de tentar ser feliz. Atiro-me de cabeça de penhascos inacreditáveis, apenas por acreditar no amor e na força que esse sentimento pode nos proporcionar.
Porém, acredito haver  encontrado a cura para a doença das migalhas. Aquela doença  em  que tudo se aceita em nome de ser feliz. Com essa doença infeliz, eu só comprava artigos baratos, supérfluos e que me deixavam com o coração vazio e desesperançado. Isso  fazia de mim uma pessoa sem filtro para receber amor. Disso, espero não mais sofrer. Não será mais qualquer um a beijar-me a boca. Sigo minha estrada sem o peso das migalhas nas costas. Nua na alma e com o corpo machucado e roxo. 
Desisti de encontrar o rumo. Isso não existe. A vida não tem pé nem cabeça. Apenas um corpo que, se não for levado ao som de um bolero e não confiar em deixar-se conduzir pelas águas calmas de uma piscina morna, torna-se um fardo muito pesado a ser carregado.
Não desacredito do amor paixão. Sei que ele existe e que é tão saboroso quanto um picolé de limão nos jogos do Fogão, em um subúrbio quente qualquer desta vida.. Apenas não parece ser mais para mim. Terei que me contentar ao vê-lo contagiando o mundo de fora de mim e torço para que todos consigam enxergá-lo, agarrá-lo e nunca mais deixá-lo partir. Eu não fui capaz. Ou não fui merecedora, vai saber...Por isso, sinto vergonha. Vergonha de mim mesma, da minha filha e dos que sempre torceram por mim e acreditavam que eu merecia ser feliz. 
Perdão. Perdão. Três vezes perdão.


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