sexta-feira, 18 de abril de 2014

A sereia

A sereia
Silvia Britto

Já falei antes aqui que sou uma sereia? Acho que não. Pois é. Costumo dizer que sou uma sereia, dessas bem arretadas, nascida na Ilha do Amor, São Luis do Maranhão.
Sou uma sereia moleca, menina, exibida e brincalhona. Tenho uma facilidade absurda de conquistar as pessoas com esse meu jeito corajoso e irreverente de brincar nas águas do mar da vida. Sou plenamente consciente dos meus encantos e totalmente responsável por quem cativo. Sou leal às minhas conquistas, amores ou amigos.
Mas há um ônus enorme e inerente a essa minha condição de sereia. Acabo atraindo homens maravilhosos, que encantam-se, verdadeiramente, por essa condição livre e rejuvenescedora que proporciono. Ficam fascinados ao navegar nas ondas de calor que a minha presença provoca nas águas paradas que costumam circundar os mortais. Perdem-se nas curvas de meu corpo que se exibe, tão despudoradamente, a seus olhos de desejo.
Causo turbulência, agitação, faço com que os homens sintam-se novamente meninos, adolescentes, vivos, infinitos e eternos, assim como eu. Juram-me amor eterno. Prometem-me viagens maravilhosas. Presenteiam-me com joias. Trazem-me flores. Entram na minha dança. Encantam-se com meu canto.
E eu, sereia ávida por um grande amor, entrego-me a esses mimos e tento, com todas as minhas forças, segurar a felicidade que me presenteiam. Tento até mudar a minha essência de ser mitológico. Silencio meu canto. Tento nem respirar para ver se o momento não passa. E, quando encontro alguém que me faz querer voar ao invés de nadar, renuncio até à minha cauda, se preciso for, e venho para a terra firme, qual a pequena sereia Ariel da Disney, para viver esse amor mundano e comum que tanto me encanta.
Porém, viver esse amor não depende apenas de mim. Nunca dá tempo de minha cauda transformar-se em pés. Minhas paixões costumam morrer afogadas pelo seu mundo real. Inevitavelmente, após algum tempo de plena felicidade e liberdade ao meu lado, eles acabam por afogar-se e morrem. São tragados de volta ao mundo real. Voltam para sua solidão, suas famílias exploradoras e egoístas, sua “liberdade prisioneira”, suas culturas e até para suas mulheres de “perna e osso”.
E eu, triste eu, fico largada em um cais qualquer da vida, a ver navios, literalmente. Sinto-me abandonada e rogo fortemente ao pai Netuno para que torne-me apenas mais uma dessas mulheres de carne e osso que passeiam livres e felizes, de mãos dadas com seus amantes, tomando cerveja e dançando samba na beira do cais.
Mas Netuno é impiedoso. Exige para mim um homem de verdade, desses que o enfrentarão de igual para igual, que não o temerão e o desafiarão para conseguir para si uma de suas joias mais preciosas.
Já encontro-me descrente de que esse homem virá. Já nem tento mais encantar ninguém. Não aguento mais tanta decepção e solidão. Tento resignar-me a um nado tranquilo, repleto de amigos, à calmaria das águas mornas do fim das tardes de verão. Mas não consigo. Por mais que eu tente, que ria, que dance, que tenha muitos amigos e pessoas queridas que se importam comigo, sigo solitária e com o coração vazio de amor.
Infelizmente, sou uma sereia que quer voar. Bem ao estilo Fernão Capelo Gaivota das sereias. Lembram dessa história? Fernão Capelo é aquela gaivota que não se contentava com voos rasos e medíocres com o simples intuito de encontrar comida. Sonhava com mergulhos vertiginosos do alto céu ao mar. E tanto fez e tanto tentou, que conseguiu, mesmo que para isso tenha perdido a própria vida. Passou a voar no céu do Paraíso.

Pois é... Sou uma sereia com ambição de gaivota. Tenho que continuar nadando para não sucumbir. Mas o mar está tão gelado...

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