sábado, 21 de setembro de 2013

Joelho ralado, coração magoado


Joelho ralado, coração magoado
Silvia Britto

Hoje não acordei bem. A vida me empurrou da cama às cinco horas da manhã para ver o sol nascer. Coração apertadinho em um canto do peito. Como é de costume ao me sentir assim, escrevi. Publiquei. Rodei pela casa. Pela janela vi que a manhã estava linda. Resolvi que nada melhor do que a água salgada do mar para diluir minhas lágrimas e torná-las insignificantes diante da grandeza azul.
E lá fui eu. Os óculos escuros escondiam as lágrimas teimosas. O dia estava alegre, apesar de meu peito apertado. Crianças correndo, namorados de bicicleta, sol realçando o azul do mar e o Redentor, como sempre, braços abertos sobre a Guanabara.
Mas é claro que isso não poderia dar certo. Há momentos em que é melhor recolhermo-nos a nosso canto e esperar a ressaca passar. Cheguei à praia e, antes de colocar os pés na areia, descendo uma pequena rampa de cimento que me levaria ao mar, estabaquei-me de uma forma que até o Carequinha ficaria com inveja.
Do joelho, começou a jorrar o que parecia para mim uma cascata de sangue. Ato contínuo abri um berreiro de dar dó. Pessoas aproximaram-se e tentaram me ajudar. Lavaram meu joelho com água gelada, abanaram-me, disseram-me palavras de consolo. Mal sabiam elas que a dor maior vinha do coração. O sentimento era de vergonha, humilhação e dor. Mas o que chorava era o coração.
A menininha desavergonhada que mora em mim não se intimidou e chorou até cansar. A mulher, apenas assistia, impotente na sua tristeza.
Mas cansei e parei de chorar. Levantei-me e fui, com o rebolado que é mais que um poema, um tanto quanto capenga, até o mar. A esperança era de que o sal fizesse o joelho arder tanto que o foco sairia do coração. E assim foi. Ardeu e queimou. Gritei e chorei. E finalmente a dor pareceu dar lugar a uma dormência reconfortante. Fiquei ali por alguns minutos, boiando ao sabor das ondas e olhando o céu. Esse continuava azul em sua inabalável infinitude. E pouco a pouco as coisas foram tomando suas devidas proporções. Saí da praia, comprei um picolé de limão e voltei pra casa pensando: saudades do tempo em que um mertiolate encarnado e ardido curava tudo.

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